sexta-feira, 28 de março de 2008

O Brasil de fora

Sendo estrangeiro, queria falar sobre a imagem do Brasil no exterior, ou pelo menos
nos Estados Unidos, cujas opiniões têm uma facilidade de se propagarem pelo resto do
nosso mundo globalizado. O discurso polêmico da "identidade nacional brasileira" (o
que é muito mais polêmico no Brasil do que fora) é uma construção de muitas pessoas
distintas: brasileiros e estrangeiros, todos com interesses (e investimentos)
diferentes. Artistas norteamericanos, como os atuais Snoop Dogg e Will.I.Am, lançam
músicas com vídeos na MTV que apresentam o Brasil como se fosse apenas uma grande
praia, em que multidões de mulheres lindas e exóticas tomam sol com pouca roupa.
O interesse deles é vender suas músicas, e que o biquini é um modo eficaz já é bem
comprovado. Embora seja um país ocidental, na realidade o Brasil tem um papel
parecido com o papel da Espanha na Europa, o do "Outro" exótico e pintoresco. É um
dos destinos turísticos mais populares no mundo inteiro: o Carnaval do Rio é conhecido
como a maior festa do ano (mesmo que o Carnaval do Salvador seja maior), e os
estrangeiros procurando qualquer coisa- praias, futebol, sexo, café, selva tropical,
dança- podem encontrá-la, pronta para ser vendida pelos brasileiros próprios, cuja
economia precisa do dinheiro de fora. Inevitavelmente, mencionar a oportunidade de
estudar por um semestere no Brasil extrai um sorriso de qualquer americano: "Ooh! 'cê
vai se divertir bastante!"

Menos popular, mais ainda bem conhecida é a imagem do Brasil do "Terceiro-Mundo", uma
nação da pobreza, favela, crime nas ruas, insegurança econômica e a inferioridade
estatístical, em geral. Ou seja, como muitos antropólogos brasileiros estão acostumados
a dizer, uma comparação entre o Brasil e qualquer outro país ocidental é ruim para o
Brasil. Por isso, se percebe um "complexo da inferioridade" entre os acadêmicos
brasileiros, tanto que o escritor bahiano João Ubaldo Ribeiro escreveu seu próprio "Manifesto contra a moda de se falar mal do Brasil", mesmo com um tom um pouco irônico. De qualquer modo, eu concordo que as estatísticas não são o único modo de avaliar um país. Mas, os problemas sociais do Brasil são bem conhecidos entre os estrangeiros. Muitos dos filmes brasileiros que alcançaram um público internacional nos últimos anos tratam de temas assim. "Ônibus 174" documenta um pobre que se torna seqüestrador; "A Cidade de Deus" conta a história violenta e triste de uns favelados no Rio de Janeiro. Mas não é tudo tão ruim- aqui tem um texto tomado do livro "Português para patetas", que pretende ensinar a língua portuguesa e a cultura brasileira a americanos de um modo divertido e bem simples:

"[...] Mas todos os favelados não são miseráveis. No Rio, as pessoas mais pobres têm
as melhores vistas das janelas das suas casas! Eles constroem casas nas ladeiras dos
morros íngremes que ficam sobre o panorama mágico do Rio. A maior favela do Brasil
se chama Rocinha (hoh-seen-yah), e fica no Rio. Duzento mil pessoas moram lá,
e a maioria tem vistas maravilhosas da cidade e do mar."

Keller, Karen. Portuguese for Dummies. Hoboken, NJ: Wiley Publishing, 2006.
(a tradução é minha)

Com certeza é para patetas! É certo que o livro inteiro é assim, como uma propaganda
turística, mas creio que muitos estrangeiros "aprendem" muito sobre o Brasil por ler
livros assim. É irresponsável apresentar as favelas desse modo, sem reconhecer
nenhuma outra dimensão da sua existência, mas esta imagem é uma realidade fora do
Brasil! Inclusive os brasileiros admitem que seus autores mais populares (e mais
traduzidos), como Paulo Coelho e Jorge Amado, são "[fábricas] de palavras prontas para
erigir "estereótipos bases" num texto vazio e repetitivo" nas palavras do Professor
Marlon Marcos da UFBA. Parece uma crítica muito forte, mas os discursos da identidade
nacional brasileira mais importantes e revolucionários como a tese antropofágica de
Oswald de Andrade, o protesto clandestino de Chico Buarque, ou a biblioteca de livros
que escreveu o Gilberto Freye sobre o tema se propagaram muito lentamente. Então, o que se propagou? O que vendeu.

Um comentário:

Rhea disse...

Drake, essas ideias que você mencionou são exatamente as nas quais penso muito. Sempre que alguem (um amigo ou parente dos Estados Unidos ou da Europa) descobre que eu estou morando no Brasil, há duas reações possíveis: "tenha cuidado! tem muita violência lá!" ou "tô com ciumes de você! diverta-se com os gatinhos brasileiros!" Ahhh, mas eu prefiro essas reações típicas e bobas às de "Oh, e você já sabe um pouco de espanhol?"