gringos tagarelas

domingo, 15 de junho de 2008

Saudades sem fim

Mesmo que nós não tenhamos uma palavra que traduz exatamente para “saudades” em inglês, entendemos o sentido dela de modo inerente. A primeira vez que entendi, ou pensei que tinha entendido esse significado, eu estava tentando dormir numa cama nova, num apartamento estranho, num outro hemisfério da minha terra, e além de tudo disso, estava fazendo um calor insuportável. Pelo menos, na época não suportei. Deitada lá, na escuridão que, no Corredor da Vitória, dificilmente escurece a mais de uma sombra amarelada, ficava imaginando tempestades de neve, noites geladas de Janeiro quando tudo está coberto por um glacê de gelo e fica escuoa e silencioso como se o mundo todo estivesse dormindo. Com essas imaginações frias, adormeci.

Depois, falando com minha família pela primeira vez num orelhão na rua abaixo, onde quase não dá para ouvir seus próprios pensamentos, muito menos a outra pessoa, percebi que “estar com saudades” é muito mais do que simplesmente “sentir a falta” de alguma coisa. Eu senti a falta do frio, até senti a falta de vestir três camadas de roupa e um casaco de penas de ganso, mesmo que saiba que me chateia muito. Ter saudades de alguma coisa já é muito diferente. Enquanto eu gritei pelo telefone na Av. Sete de Setembro, atraindo olhares das pessoas passando, a minha família toda estava passando as férias no Canadá, nadando nos lagos frios e fazendo fogueiras à noite. Nesse momento entendi, realmente entendi, o que é que quer dizer saudade. O desejo da sua alma de estar num lugar conhecido, fazendo as coisas, quaisquer que sejam, que sempre fizeram com que as pessoas lhe conheçam como você verdadeiramente é. Era isso que me faltava, a sensação de inclusão, de que eu pertenço a um lugar e ele a mim.

Ao longo desse ano, eu fui me adaptando ao calor, ao costume de um almoço pesado, às ruas cheias e agitadas, aos olhares das pessoas no ponto de ônibus, mas há umas coisas de que eu nunca deixei de sentir saudades; das manhãs tranqüilas e brilhantes na minha cozinha, de andar descalça pelas ruas à noite no verão, de rir com minha família sobre coisas que aconteceram no passado tão distante que já não me lembro mais, mas sei que deve ter sido engraçado. Enquanto isso, porém, eu também fui me ligando ao esse local, descobrindo as coisas daqui que me encantam e criando uma história que não vai ser fácil deixar para trás.

Estou aqui há um ano, imagino que vá sentir muita coisa após ir embora, após chegar de novo na minha terra. No meu próprio quarto, silencioso e escuro, vou ter saudades dos sons da vida do Corredor da Vitória, que mesmo que esteja acontecendo sete andares abaixo, parece que está sucedendo na varanda lá fora. Vou ter saudades das folhas que aparentemente andam sozinhas, carregadas de formigas muito mais fortes do que as formigas de Michigan. Nas festas do inverno, onde todo mundo se veste de suéter e bebe rum quente, vou ter saudades dos reggaes espontâneos daqui, numa praça aberta à brisa maresia , onde é preciso apenas um pandeiro para rolar um som e dançar até já não saber mais de onde veio, nem para onde vai.

Minha cama vai parecer grande demais; meu café, fraco; meu suco, azedo; as ruas, desertas; as calçadas, largas e as pessoas, muito distantes uma da outra. Os biquinis vão ser folgados, os carros enormes, mas os motoristas bem-educados. Os esquilos vão me lembrar de mico sem pêlo nas orelhas, as senhoras na fila do supermercado vão parecer muito caladas.

Mesmo se nunca deixar de ter saudades de algum lugar, seja o Brasil, ou seja onde for, sempre vou saber que existem lugares aos quais pertenço, e que me pertencem.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Saudades

Minha experiência aqui no Brasil tem sido diferente de todas as experiências que eu já tive no passado. Nunca tive a oportunidade ter uma aventura assim—a oportunidade de viajar a um outro continente para aprender tudo que podia sobre uma cultura diferente, para viver com nativos dum país,e praticar uma língua que não era minha.

Quando eu voltar aos Estados Unidos, eu vou ter saudades de viver num mundo onde todas as coisas são novas e interessantes. Aqui, mesmo ligar a televisão oferece a oportunidade para aprender palavras novas, praticar ouvindo o português falado rapidamente, e observar as maneiras engraçadas em que as propagandas e programas de televisão como as novelas, são bem diferentes das propagandas e programas americanos.

Aqui, existe um monte de coisas para descobrir cada dia. Cada vez que eu exploro uma parte nova desta cidade, sinto que estou aprendendo mais sobre Salvador e a cultua desta cidade. Quando eu voltar, eu vou ter saudades da sensação de estar entusiasmada e descobrir mais e mais sobre a cultura e a cidade a minha volta.

É difícil começar a listar as coisas específicas das quais eu vou ter saudades porque há muitas! Vou começar com...a beleza de Salvador. Ver o mar azul quando abro a porta de meu apartamento. A presença do mar lindo, situado ao lado da cidade. A comida aqui. A combinação deliciosa de granola crocante, banana doce, e açaí cremoso. Frutas frescas e tropicais. Manga. Mamão. A música, especialmente a música afro-brasileira de percussão. O Forró ao vivo, que não pode ser encontrado em nenhuma outra região do mundo. A dança. Vou ter saudades de sambar! Uma cultura cheia de pessoas que adoram dançar, divertir-se, e que são calorosas.  Meus amigos. Gente boa que conheci em minhas aulas universitárias brasileiras. Gente boa que conheci em meu programa de intercâmbio. A experiência de estar explorando este mundo com outras amigas que estão explorando este mundo ao mesmo tempo. As conversas entre nós sobre a cultura aqui, que ninguém de nosso país entenderia.

E a última coisa...o Português. Esta oportunidade de viver num mundo onde todas as pessoas falam em português tem sido incrível. Eu amo esta língua e o desafio que ela apresenta. Com cada conversa com uma pessoa brasileira, e cada vez de assistir um filme existe uma oportunidade para aprender mais uma palavra, e melhorar. Eu tenho certeza que eu vou sentir falta do português e o desafio divertido que me apresentava. Eu sei que eu vou querer continuar falando nesta língua quando eu voltar.

Este semestre tem sido cheio de experiências novas e inesquecíveis, e as coisas novas que aprendi sempre vão ficar comigo.Adeus, Gringos Tagarelas. O semestre com vocês tem sido um semestre bom 

quarta-feira, 11 de junho de 2008

o celular brasileiro

Choque Cultural O celular faz uma parte grande da Avida social da minha geração, quanto nos Estados Unidos que no Brasil. Eu vivo mandando mensagens de texto aos meus amigos e à família. Seja de pedidos de favores ou piadas, recebo mensagens a qualquer hora do dia e da noite. Eu adoro mandar e receber mensagens porque é muito mais simples e rápido para resolver pequenas coisas do que falar com alguém. Além de adorar mandar torpedos, também gosto muito de conversar com os meus amigos, meu namorado e minha família pelo celular. Gosto de passar uma hora falando sobre tudoe sobre nada com uma amiga com quem faz tempo que eu falei. Tudo isso para mim nos Estados Unidos é tão normal e fácil porque eu e quase todo mundo temos celulares pré-pagos. Mas no Brasil este não é o caso para mim nem para os meus amigos e meu namorado. Todo mundo aqui tem celulares de cartão e com isso vêm muitas questões de tabus sociais. Por exemplo, acho que era difícil para mim e as minhas amigas nos acostumarmos com a falta de uso do celular aqui. Nos Estados Unidos, você liga para o namorado muito mesmo se não tiver uma razão importante para ligar. Sempre manda torpedos sem precisar, só para dar beijos e dizer ao seu amor que o ama. No Brasil, pelo que eu já experimentei e ouvi falar das minhas amigas, o contato por celular em relações românticas não é tão habitual assim como nos EUA por causa da freqüência com que os jovens ficam sem crédito. Eu já falei e escutei mil vezes as minhas amigas americanas aqui dizendo, "Por que ele ainda não me respondeu?! Ele vai demorar para me ligar, como sempre." E também, se um cara brasileiro gostasse de você de verdade, te ligaria a cobrar com freqüência? E é mal educado ligar muito a cobrar para os amigos? Talvez seja superficial, mas esta é uma questão sobre a qual eu e as minhas amigas nos encontramos fazendo muito. Tem a ver muito com o medo de as meninas americanas aqui serem enganadas pelos pegadores e consideradas ricas e ignorantes. E apesar disso, quando eu e as minhas amigas já tínhamos arrumado namorados bons e honestos, a frustração só continuava. Nós ficamos bem chateadas quando temos a vontade de ligar pros nossos namorados só para bater papo um pouquinho e temos que pagar cinco reais por uma conversinha. Que saco! Antes de vir pro Brasil, eu nunca imaginei que eu ia sentir um choque cultural tão forte por causa de um negócio que no passado só funcionava para simplificar a minha vida.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Saudades Saudades Saudades

A primeira vez que fui embora do Brasil, quase não agüentei as saudades. Minha vida brasileira não é nada parecida com minha vida nos EUA, então senti saudades não só de coisas ou pessoas, mas de um estilo de vida. É difícil saber o que vai fazer falta na vida antes de sentir aquela falta. Às vezes é uma coisa tão normal e sem graça, mas fico pensando e realmente sinto a falta. Por exemplo, sinto muito a falta dos ônibus nos EUA, mas imagino que vou sentir falta desses ônibus loucos daqui. Vou entrar num ônibus lá nos EUA, achar um assento com facilidade, e começar a ler. Depois vou pensar, “que isso”? Vou sentir falta pelos motoristas malucos, o ônibus cheia de gente, e a idéia de eu ficar em pé segurando e tentando não parecer com Tarzan na selva.

Carinho: as pessoas aqui são muito carinhosas. Como uma americana fria, penso que não preciso do carinho de cada pessoa que conheço, mas gosto do mesmo jeito. Eu gosto da maneira de viver em que cada pessoa nova merece beijinhos no rosto, na chegada e na saída. Gosto de como minha mãe toca minha cabeça quando ela está conversando comigo e eu adoro como as crianças na creche me chamam de tia (mesmo que eles estejam me tratando como uma madrasta malvada).

Comida: Leia meu blog “Você é o que você come” e vai entender quanto eu vou sentir saudades da comida e do suco.

Karin: Vou sentir muito falta de minha amiga mesmo que ela não seja brasileira, ela fez uma grande parte de minha vida aqui. Vou sentir saudades de nossas viagens juntas, nossas piadas, e nossa habilidade de arrasar em todos os lugares.

Família: Outro dia eu estava brincando com minha irmã aqui, soltando piadas com ela e pensei que é tão normal eu estar aqui vivendo numa outra língua e fazendo uma parte dessa família. Então vou sentir saudades da facilidade de brincar e conversar com minha família aqui. Provavelmente vou ficar um pouquinho perdida sem uma mãe me dando tanta comida que não agüento mais. Já tenho saudades de minha outra família brasileira. Ajuda que eles estão no mesmo país, ainda que signifique que não os veja mais, a idéia de poder viajar para a casa deles com mais facilidade me deixou com mais tranqüilidade nesse semestre. Família é tudo para mim e bons amigos fazem uma parte de minha família, mas a minha família nunca está completa e me deixa com saudades sempre.

Finalmente, vou sentir saudades de minhas palavras favoritas: saudade (quem não adora essa palavra?) e arrasar.

domingo, 8 de junho de 2008

Eu Não Vou Ter Saudades, Não

Um poema por Kyle Gerry

Olha gente, eu não vou ter saudades, não
Nem do mar, nem do povo, nem da comida
Nem do Beijú dos Artistas,
Nem da mulher do "Açaí da Barra"
Que tem um sorriso mais doce que o suco de abacaxi
Que vem da fruta mesmo

Olha gente, eu não vou ter saudades, não
Vejam, eu estou fazendo a mala agora mesmo.
E tudo de que preciso
Para prover as saudades
Para eliminá-las antes de nascerem
Vai caber
Mesmo que eu tenha que alugar um avião só para ess mala.

Primeiro vou colocar as coisas mais importantes.
Elas são as coisas mais queridas, sabe?
O oleo de dendê, a abará, minha professora de dança-afro,
Vocês podem não acreditar em mim, mas tudo cabe.

Depois vem minha mãe brasileira e a empregada dela,
E pelas ruas de Nova Iorque a gente vai passar.
Eu também vou levar o feijão preto e a farofa,
Os quais minha mãe verdadeira vai cozinhar e arrasar.

Em cada esquina vou botar um estudante da minha aula de inglês
Embora a maiora deles me fizessem beber mais caipirinhas,
O que me lembra de levar a cachaça e o açúcar
Para usar antes de ir dançar forró nas festas nas esquinas.

Em cima desses objeitos queridos eu vou jogar,
A praia em frente da Sorveteria da Ribeira,
E também os sabores de tapioca e brigadeiro,
sem esquecer as pulseiras que eu comprei ao descer a ladeira.

E vamos fechar essa mala bem arrumada agora mesmo
E começar a aproveitar todos os bolsos,
Colocando um pouco de água de coco, sol e música de Ivete Sangalo,
para brincar, festejar e impressionar os moços.

Olha gente, eu não vou ter saudades, não
Nem do mar, nem do povo, nem da comida
Nem do Beijú dos Artistas,
Nem da mulher do "Açaí da Barra"
Que tem um sorriso mais doce que o suco de abacaxi
Que vem da fruta mesmo

Olha gente, eu não vou ter saudades, não
Vejam, eu acabei de fazer a mala agora mesmo.
E tudo de que precisava
Para prover as saudades
Para eliminá-las antes de nascerem
Já couberam
Mesmo se eu tivesse que trazer o país tudo.

Minhas Saudades


Tem duas coisas particulares que vão me deixar com saudades quando eufor embora do Brasil daqui a duas semanas. A primeira coisa da qualeu vou ficar com muitas saudades é um negocio que eu amo e detesto aomesmo tempo: andar pela cidade. Como já reclamaram muitas mulheresneste blog, a "música" dos homens brasileiros faz com que eu fiquemuito chateada quando ando por Salvador. Mas depois de cinco mesesaguentando isto, já acostumei e aprendi a ignorar e não deixá-lo meencher o saco. Eu adoro voltar andando das minhas aulas no Largo 2 deJulho para minha casa que fica no Chame-Chame, descendo a ladeira eficando na sombra das árvores gigantes e lindíssimas da Vitória. Medá um tempinho para ficar quieta na minha mente e refletir sobre o queestá acontecendo na minha vida e tentar dar sentido a todas asconfusões que vêm quando se mora num pais estrangeiro. Cheguei a muitasconclusões importantes enquanto descia pela ladeira da Barra. Adorotambém andar pela orla e me sentar por um pouquinho em frente ao mar.Apesar de ser uma cidade barulhosa e perigosa, Salvador tem um jeitoparticular de fazer você sentir que toda a beleza aqui foi feita sópara os seus próprios olhar curtirem. Esta é a segunda coisa da qualeu vou sentir saudades – a beleza natural que é oferecida em abundância aqui naBahia. Eu já vi muitas coisas esplêndidas, como a floresta ao lado domar em Itacaré e as cachoeiras da Chapada Diamantina. Mas eu achoque a maioria das minhas saudades da natureza do Brasil vai ser doPorto da Barra. Entre ver uma tartaruga enquanto mergulhava atéassistir inúmeros pôres-do-sol bonitões, eu sempre vou ter muitas boaslembranças dos dias que passei com os meus queridos no Porto. Bom,aqui eu termino este blog porque estou ficando triste por pensar tantona minha saída deste pais maravilhoso!

sábado, 7 de junho de 2008

A BOCA DO BRASIL

Quando eu comecei a pensar no que eu ia sentir falta de Salvador, me ocorreram várias visões: um ônibus vazio, voando pelas ruas coloridas, um vento quentinho entrando pela janela aberta, com o cheiro de cocada, pequenos fragmentos de todo tipo de música vêm de todo canto da rua, formando uma melodia nostalgica que combina com a paisagem.
Eu tenho certeza de que todo aluno no nosso programa tem uma visão parecida que, quando eles voltarem para suas terras, vai resumir vários sentimentos dessa experiência brasileira. Sem dúvida, essa visão vai incorporar os cinco sentidos, vislumbres da realidade dura e também pedacinhos das memórias romantizadas e idealísticas. Essa saudade brasileira vai vir à tona em momentos imprevisíveis no futuro, quando nós já estabelecermos as nossas vidas rotineiras de novo.
Mas hoje eu optei por escrever sobre algo relacionado especialmente a mim, algo que eu, pessoalmente, vou sentir falta: as idiossincrasias da língua portuguesa brasileira. Eu adoro essas particularidades que não têm comparação em nenhuma outra língua. Por exemplo, agora eu estou tão acostumada a responder a uma pergunta com a conjugação do verbo adequada (em vez de “sim” ou “não”) que eu costumo usar a mesma estrutura quando estou falando inglês ou espanhol!* (“tú hablas castellano?” “Hablo.”) Eu também tenho muita vontade, ou necessidade, de usar o verbo “ficar” em inglês ou espanhol, mas não existe um verbo equivalente! O verbo “ficar” tem muita flexibilidade e pode ser usado informalmente em muitas circunstâncias. Em inglês, temos o verbo “to get” mas quase não existem regras para o indício do uso desse verbo; o uso é bem imprevisível.
Outro exemplo seria a flexibilidade do uso da palavra “não” no Brasil, sobretudo no Nordeste. A negação de um conceito não tem de vir no início de uma frase (pode dizer “não sei,” “sei não,” “não sei não”).
Mas a gota d’água foi o seguinte: a semana passada eu estava conversando com a minha mãe pelo telefone quando ela perguntou em inglês se a gente gostaria de fazer tal coisa. Aí, eu respondi, “Yeah, the people would.”

*Já li que os irlandeses nas áreas mais rurais costumam responder às perguntas com a conjugação do verbo adequada, tal costume é um resto do gaélico irlandês.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Um elogio à comida brasileira

Quando eu penso nas coisas brasileiras de que vou ter saudades depois de eu voltar para os Estados Unidos, as primeiras coisas que aparecem na minha mente são pessoas: meu namorado, meus amigos, meus professores. Mas eu sei que posso encontrar um namorado, amigos e professores facilmente em qualquer país (não se preocupe, gente, estou brincando!) e o que não consigo encontrar no mundo inteiro é a comida brasileira. Meu Deus no céu, eu adoro comer aqui: doce, salgado, fresco, apimentado... tem tudo na Bahia.

Adoro ir à Ribeira para tomar um sorvete de amendoim com calda de chocolate e sentar-me ao ar livre olhando os barcos. Quando vou a um churrasco para o aniversário dum amigo, só como pasteis doces de goiabada e brigadeiros porque sou vegetariana, que é ruim para minha saúde mas perfeito para meus gostos porque eu adoro açúcar como se fosse formiga. Também fiquei completamente apaixonada pelo chocolate Sonho de Valsa depois quee recebi um grande ovo de Pascoa dessa marca--e fiquei complteamente enjoada quando eu comi o ovo inteiro em três dias.

Quando eu viajo, um americano sem presunto e suco Del Valle me sustentam. Como pão de queijo como se fosse pipoca, e depois duma noite bêbada de dançar forró, uma pequena esfiha de queijo de Habib's é a café de manhã perfeita. A barraca na Praia Buracão tem o melhor aipim frito em Salvador, com queijo e sal e catsup, e quando estou esperando pelo ônibus em Rio Vermelho para voltar a casa depois dum dia de tomar sol, sempre peço um beiju quente com tomate seco e catupiry de Beiju dos Artistas.

Vou ter tantas saudades da fruta brasileira que é cara demais nos Estados Unidos: nunca mais vou beber suco de carambola, de maracujá, de acerola, de goiaba; não vendem acaí na tigela nas lanchonetes americanas; não tenho o dinheiro suficiente para comprar um abacate toda semana para fazer uma vitamina para o café de manhã. Ai, vou ficar tão triste (e doente, por falta de Vitamina C).


A primeira refeição que eu comi em Salvador foi uma moqueca de legumes num restaurante baiano no Pelourinho, e fiquei muito contente de ver todos os pratos cheios de feijão, arroz, salada, vatapá e molho de pimenta. Adoro o sabor forte de leite de coco com azeite dendé, e o sofrimento da barriga depois de comer uma moqueca completamente vale a pena. Sempre fico animada quando meu pai hospedeiro volta para Salvador do trabalho dele no interior da Bahia, porque ele sempre quer ir a Itapuã para comer acarajé da Cira. Como sou do Sudeste dos Estados Unidos, onde fritamos tudo, adoro umo acarajé bem frito, cheio de vatapá e salada e pimenta, com um bolinho de estudante para sobremesa e uma lata de Guaraná Antárctica estupidamente gelada... que gostoso!

Mas acho que vou ter tantas saudades dessas comidas porque cada merenda, cada prato leva uma lembrança feliz do meu tempo aqui no Brasil. Quando penso em alguma coisa que eu comi aqui, me lembro de novos amigos, duma música bonita, duma noite divertida de dançar, duma praia que parece um paraíso, duma viagem louca... e começo a chorar porque tenho que me despedir de tudo e não quero. Mas pelo menos vou emagrecer um pouco quando eu voltar!

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Cheio de saudade

Eu creio que a vida é lembrada através dos momentos individuais. Como desaparecem as lembranças ruins e só restam as boas durante os meses e anos, a memória demonstra as suas tendências simplificadoras e, enfim, mentirosas. É por isso que eu queria colocar aqui não minhas impressões gerais do Brasil, que vão ficar mais claras com o passar dos anos, mas alguns momentos inesquecíveis: os elos numa série de acontecimentos transitórios que, numerados suficientemente, fazem um semestre inteiro.

O mais recente na minha mente é o final da Liga dos Campeões. Eu estava sentado num barzinho no Porto da Barra, com uns amigos americanos e uma cerveja brasileira. A hora do jogo, que foi contestado na Rússia entre o Manchester United e o Chelsea F. C., coincidiu com o pôr-do-sol baiano, então também assisti a essa outra maravilha pela porta aberta do bar. Embora o Brasil não tivesse nada a ver com o resultado daquele jogo, eu me alegrei que o Manchester United ganhasse, e que John Terry e Cristiano Ronaldo, dois dos meus jogadores mais detestáveis do mundo, perdessem os seus pênaltis.

Quando eu estava começando a aprender português (faz quase dois anos), o primeiro artista brasileiro que eu conheci, além dos “imortais” que costumam ser chamados por um nome só (Chico, Caetano, etc.), foi uma banda pernambucana que se chama Nação Zumbi. Mal entendi o nome da banda, quanto mais a letra, mas Da lama ao caos entrou rapidamente na minha lista imaginária dos melhores discos que eu já tinha ouvido. A mistura do guitarra rock e da percussão tradicional, com um vocalista parecido com Zach de la Rocha da banda americana Rage Against the Machine é irresistível para mim. Vocês podem imaginar que ter assistido um show da banda na Concha Acústica do Teatro Castro Alves, como eu fiz em maio, mesmo sem o falecido Chico Science, foi uma realização de um sonho enorme.

O último momento para descrever aqui é um momento em fevereiro, antes de chegar a Salvador. Num sábado, eu acordei muito cedo para ir pra praia com alguns amigos em São Paulo, mas ninguém quis acordar, apesar de terem planejado esse passeio comigo a noite anterior. Já bem acordado, eu resolvi andar pelo parque do Ibirapuera, cuja beleza na luz da manhã ainda está comigo. No meio da maior cidade do Brasil, eu parei numa ponte, olhei para os peixes lá em baixo, e respirei fundo, aproveitando o limpo ar matutino.

Saudades

Saudades não têm fim. Sempre que você sai de algum lugar, sente a falta de algo. Desde os oito anos, eu não moro com a minha mãe, e desde então sempre senti de certa maneira que eu era uma cigana. Não que eu não tinha casa, não é isso, mas que o meu lar ia comigo. Onde ela mudasse, era de fato um novo lar para ser descoberto e visitado. Faz cinco anos que eu saí da casa de meu pai. Desde que eu saí da cidade onde morava havia dezoito anos, só voltei duas vezes, sinto saudades dela. Morei um ano no Panamá, dois anos em Nova Iorque, um ano aqui, e volto para mais um ano em Nova Iorque. Meu pai mora a seis horas de carro da minha faculdade, a minha mãe mora a seis horas de avião. Minha família hospedeira no Panamá mora a oito horas de avião, e a minha família aqui no Brasil, mora a mais ou menos dez horas viajando de avião. Saudades são parte da minha existência, onde eu for sempre será outro lugar para o qual eu sentirei saudades. Mas estou achando neste momento que Salvador vai fazer mais falta para mim do que todos os outros lugares. Óbvio que eu adoro esta cidade. Especificamente?

Agora a lista:

  • Pessoas jogando futebol na praia dia de domingo enquanto um grupo de samba toca num barzinho na Orla, e um homem vestido de camisa dizendo “Segurança” samba no meio da rua principal.
  • Beiju dos Artistas, especificamente o Carlinhos Brown
  • Aula de dança Afro-brasileiro, com a banda tocando “ao vivo”
  • A ilha de Itaparica
  • Açaí, quatro reais por 300 ml
  • Esperando o ônibus, onde for, sempre pode assistir às pessoas e a seu comportamento. O mendigo bebendo cachaça às duas da tarde no domingo, informando o pessoal sobre qual ônibus precisa pegar para chegar a tal lugar. “Bêbado mas está sabendo” eles comentam.
  • A Fonte Nova e assistir aos jogos da Bahia, mas muitas pessoas têm saudades disso.
  • O Ramma, comida natural
  • Doce Sonhos, bolo
  • Acarajé no Rio Vermelho
  • Beco das Artistas, que viagem!
  • Show na Concha Acústica
  • Peça no Vila Velha
  • Sorvete na Ribeira
  • MTV Brasil, meu amigo eterno aqui
  • Feijão cremoso feito por Natalia
  • Prática de comprar qualquer remédio que você quiser sem prescrição
  • Capoeira, que teve um grande papel na minha vida brasileira.
  • Morar ao lado do mar, passar por ele no ônibus às vezes duas o três vezes por dia, ver a vida que passa ao lado dele, pessoas vendendo, carregando, fazendo exercícios, esperando, beijando ao lado dele. Não vou ver um mar sem pensar em Iemanjá agora.
  • Principalmente, mais de tudo isso, vou ter saudades das pessoas que fizeram parte da minha vida aqui. Brasileiros criam um povo muito único, perigoso, e ao mesmo tempo muito amoroso, alegres mas trabalhador, que geralmente passa uma vida dura com bom humor. Isto sim é talento.

Até logo Bahia, eu te AMO.

terça-feira, 3 de junho de 2008

O MEU PAI NA BAHIA


O meu pai é ótimo para bater papo. Bater papo: sim. Relacionar-se com outros num nível profundo e espiritual: não tanto. Se você quiser bater papo como ele sobre qual universidade vai freqüentar, o fato de que o tempo anda frio para burro recentemente, ou para onde vai de férias: beleza. Ele também é anatomicamente incapaz de sentir vergonha; eu aposto que houve uma mutação genética quando nasceu. Todas essas características parecem se manifestar quando nós viajamos juntos num país onde não se fale inglês e estamos perdidos. Um exemplo de primeira seria quando meu pai e eu estávamos visitando uma universidade em Guadalajara, no México e precisávamos de indicações. Embora eu fale espanhol e ele não, ele sentiu a necessidade de gritar em “espanhglês” lastimável para um local, usando gestos exagerados e pulando entusiasmadamente, que estávamos perdidos e, por gentileza, o senhor poderia nos ajudar? Enquanto isso, eu estava escondendo o rosto vermelho nas mãos dos espectadores, fingindo estar extremamente interessada no fiapo do meu cardigã. Tal circunstância tende a ocorrer uma quantidade inumerável de vezes por ano. Agora, recentemente me ocorreu a idéia do meu pai aqui na Bahia, imaginando como ele seria recebido. De repente eu me lembrei de uma experiência quando eu tinha acabado de chegar na Bahia. Uma amiga e eu perambulamos por uma extensão de praias, incapazes de encontrar a barraca especial que procurávamos. Uma mulher roliça e bem bronzeada, com a pele lubrificada e os olhos agradáveis, deu uma olhada para nós, consciente de que não éramos soteropolitanas. Ela perguntou se nós precisávamos de ajuda, e ao ouvir aonde precisávamos ir, ela se levantou, nos guiou à barraca adequada, batendo papo o tempo todo sobre a preguiça do marido dela, até alcançar a nossa barraca. Aí, ela comprou a bebida preferida dela, para todas nós. Agora, essa história não foi a primeira vez, nem a última que alguém daqui nos mostrou tanta hospitalidade. Ações parecidas de hospitalidade, muitas vezes simples e sem fingimento, ocorreram durante toda a minha estadia na Bahia. Da minha experiência, há poucos lugares no mundo onde a hospitalidade seja tão comum e até trivial, esperada. Aí um pensamento bizarro entrou na minha mente, Será que meu pai, potencialmente vestido de roupas combinadas mal, equipado com os acessórios “necessários” de um turista gringo (chapéu de palha e meias com sandálias) seria . . . verdadeiramente . . . recebido com cordialidade e respeito aqui??

“Traga o Sal, Por Favor”

Na minha casa, quem é que lava a roupa, às vezes à mão, que cozinha todos os almoços e jantares, que entrega a comida para a mesa como uma garçonete, que lava a louça, que passa a roupa, que limpa o banheiro, os quartos e a cozinha, que lava o chão... ? Não é minha “mãe” hospedeira ou meu “pai” hospedeiro. É Clarissa, nossa empregada doméstica.

Depois de estar no Brasil por quase cinco meses, a coisa a qual eu ainda não consigo me adaptar é a cultura de ser servido. Nos Estados Unidos, é extremamente raro ver uma empregada doméstica trabalhando na casa de uma família. Em geral, a mãe da família é a líder em termos de trabalho de casa, e ela divide as tarefas diferentes entre os membros da família. Aqui, ter uma empregada doméstica é muito normal para famílias de classe média. Não é visto como um signo de riqueza extrema como costuma acontecer muitas vezes nos Estados Unidos. Aqui, ter uma pessoa ajudando na casa é visto como ordinário e necessário.

No Brasil, existe a idéia de que é apropriado para algumas mulheres fazer algumas coisas, e outras mulheres, outras coisas. Uma ideologia brasileira que tem raízes nos tempos de escravidão é que fazer o trabalho de casa não é apropriado para a mulher de casa, antigamente a esposa branca do senhor da fazenda. O limpar e lavar eram vistos como trabalho designado para uma mulher de fora, antigamente a escrava preta ou parda, e hoje em dia em Salvador, a empregada doméstica preta ou parda.

Muitas vezes, durante o dia-a-dia no meu apartamento, a situação à frente de meus olhos parece ser uma cena dos tempos da escravidão. Uma família branca sentada na mesa, comendo comida deliciosa, mas não feita por nenhuma pessoa que está comendo. É feita pela empregada afro-descendente. A cada cinco minutos, alguém decide que precisa de alguma coisa da cozinha, mas não levanta para pegar, claro que não. É o dever de Clarissa. “Ô Clarissa, traga o sal,” “Ô Clarissa, traga o suco,” e ela vem da cozinha, trazendo a coisa pedida à mesa. A melhor cena é quando Clarissa está cozinhando o almoço e minha mãe hospedeira, sentada e assistindo televisão, decide que ela quer comer. “Clarissa, eu realmente estou com fome.” A resposta: “Está quase pronto, senhora,” e ela continua cozinhando.

Às vezes, me sinto frustrada ao observar este relacionamento entre donos de casa e mulher na posição de servidão. Eu sei que ela é paga, mas para mim, não resolve o fato ela está servindo as pessoas da família cada dia, e essencialmente realizando as mesmas tarefas feitas por escravas domésticas, um século e vinte anos atrás.

Eu acho uma coisa alarmante que muitas pessoas brasileiras, especialmente homens nunca aprendem cozinhar ou limpar porque, quando estão morando com a família, a mãe e a empregada fazem estas coisas, e quando se casam e têm casa própria, a esposa ou a empregada fazem. Nos Estados Unidos, um das qualidades mais valorizadas é a independência e a capacidade de estabelecer uma vida própria. Eu sempre tive orgulho de que eu podia fazer quase qualquer coisa para mim mesma. Minha mãe me ensinou a lavar minhas roupas quando eu tinha doze ou treze anos, e eu tenho estado lavando minha roupa para mim mesma desde aquele ano. Eu sei cozinhar se eu precisar cozinhar. Eu sei limpar se eu precisar limpar. Aqui, quando eu falo com pessoas brasileiras sobre estas coisas, ficam surpreendidas que uma pessoa de minha idade já sabe como cuidar de si mesma e fazer trabalho de casa, e não tem uma empregada doméstica que faz estas tarefas. Eu já aprendi que a cultura de ser servido é uma parte importante da cultura brasileira, mas isso é uma coisa à qual eu vou sempre ter dificuldade me adaptar.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

As Portas da Percepção

“Vocês têm que se acostumar com o fato de que a maioria das famílias com as quais vocês vão morar são brancas, e que essas famílias vão ter uma empregada que é negra,” falou o diretor do nosso programa quando chegamos aqui em Salvador.
“É mesmo?” perguntou Aristóteles do fundo da sala.
“Você veio de onde? Eu achava que você não voltaria mais, sobretudo depois da vergonha que você tem causado nos últimos quatro centos anos aqui. Vá embora, vá!” o diretor gritou para Aristóteles.
“Se você e o resto da sociedade aqui no Brasil quiserem ir reproduzindo toda a bobagem que eu produzi faz mais que dois mil anos, fiquem a vontade. Mas todo o mundo já sabe que o fundamento teórico de meus ensaios sobre a escravidão é bem fraco, e todas as teorias das ciências físicas, naturais, e sociais já arrasaram a besteira que eu usei para justificar a escravidão e o uso de empregados no lar doméstico. Agora a gente sabe que não existe uma raça ou um tipo de pessoa que é melhor que as outras para a mão-de-obra física, mas que a sociedade vai criando e recriando o tipo de corpo que é usado para as tarefas manuais. A gente também não aceita mais a idéia de um sistema que usa a cor da pele como maneira de diferenciar as pessoas. Porém, parece que você quer ensinar esses estudantes que esses erros não têm nada demais, então vá-la!” E aí, ele desapareceu.
“Desculpe, gente, eu estava dizendo o quê?
De repente, Immanuel Kant apareceu na porta.
“Quem convidou você?” o diretor perguntou.
“A luta dos últimos quatro mil anos dos escravos, dos explorados, e dos oprimidos me convidaram. Aqui no Brasil, vocês estão continuando a criar esses grupos de pessoas da pior maneira possível. Vocês não entendem o princípio mais básico da organização dos seres humanos. É o princípio que deve ser encontrado no centro de toda relação pessoal, e que deve governar a sociedade. Esse princípio diz que os humanos nunca podem ser os meios para um fim. Ou seja, não se pode usar os humanos só com a intenção de aumentar os lucros, eficiência, ou mesmo a felicidade de um outro humano. Em lugar disso, os humanos são os fins mesmos de uma ação. A relação de duas pessoas leva em conta a humanidade de cada pessoa, a qual exige um direito universal de ser considerada a última meta em todo negócio.”
“Desculpe, amigo, pode fechar a porta aí?” pediu o diretor. “Tem um vento particularmente forte hoje.”
Contudo, antes de ele poder começar a falar de novo, Karl Marx entrou pela janela e virou-se para a gente.
“Oi pessoal,” ele começou. “Eu tenho passado os últimos quinhentos anos observando as relações humanas dentro do Brasil. Que desordem! A maior parte das famílias aqui de classe media tem uma empregada. Essa empregada tem que viajar todo dia do bairro dela para um bairro no centro da cidade, e essa viagem é normalmente muito longa. Na casa do empregador, ela tem um papel bem desfavorável. Ela cozinha, mas do jeito que a dona da casa quiser. É a mesma coisa com a limpeza e com as outras tarefas na casa. Todo o trabalho que ela faz é para o empregador e não faz nenhuma diferença na vida dela a não ser pela satisfação do empregador. Além disso, ela trabalha num lugar desvinculado de todas as pessoas na comunidade dela. Portanto, qual é o resultado de todas essas circunstancias? A empregada fica alienada da comunidade dela, o trabalho dela, e finalmente de si mesma. Por isso, esse sistema faz com que todos os donos de capital tirem a humanidade da força de trabalho e alienem eles de todo aspecto da vida delas. Para os trabalhadores ganharem a humanidade deles de novo, eles têm que conseguir propriedade sobre o próprio trabalho deles.”
“Karl, você é tão chato. Gente, eu...” o diretor começou de novo. Mas eu não estava escutando. Eu estava indo buscar acarajé com Karl, Immanuel, e Aristóteles e escutando eles enquanto eu pensava mais sobre o choque de cultura que me esperava todo dia na porta da casa da minha família de classe média alta.

domingo, 1 de junho de 2008

O Choque Cultural

Kalvero Oberg foi um antropólogo do século XX, mais conhecido pela identificação das fases de “choque cultural.” Mas, que é o choque cultural? Nascendo num país, você é criado com hábitos e opiniões que você realmente nem percebe. Quando chegar num outro país, a pessoa começa a descobrir que nem todo o mundo foi criado com os mesmos hábitos, comidas, costumes, estações, vocabulário, etc. Oberg identificou cinco fases deste processo de descobrimento, os quais o estudante de intercâmbio geralmente vive sem saber o “porquê” dos sentimentos que passam pela cabeça dela.

As fases:

Primeira fase: “the honeymoon phase” o a “fase de lua de mel”- Chegando no aeroporto em Salvador, eu sabia que Brasil ia ser o lugar perfeito para mim. Nunca esquecerei a viagem no táxi do aeroporto até Ondina, onde passaríamos os primeiros dias. Tudo era diferente, tropical, lindo, e nada poderia ter aparecido feio, sujo, ou bagunçado. Sabíamos que o motorista de táxi ia tentar cobrar a mais, já nós avisaram disso antes de chegar no país, então não íamos pagar nem a mais nem a menos do que deve ser. Sabíamos que o Brasil “é muito perigoso” e que não seria “boa idéia” sair do hotel as primeiras noites. Sabíamos que a família que nos adotou ia ser perfeita também. O local era lindo, duas irmãs, um pai, uma mãe, algo que nunca vivei na minha vida: uma família completa, um apartamento grande, chique, no centro duma cidade. Tinha empregada, mas ela parecia muito feliz, quase uma parte da família, ainda que não almoçasse com a gente e ficasse de pé servindo até a hora de ela almoçar na cozinha, sozinha. Mas isso era “normal” no Brasil, já me disseram que ia ser assim. Tudo ia ser perfeito.

Segunda fase: “Rejection” ou “Rejeição”- Os ônibus nesta cidade são impossíveis de aprender a usar. Minha mãe brasileira me falou que tinha que pegar ônibus na Reitoria da UFBA para chegar à minha aula em Ondina, mas ela só anda de carro e não sabe nada de ônibus, a família inteira anda de carro. Eu esperei no ponto, e com o melhor português que eu pude falar, perguntei mil e poucas vezes,

-você passa na Ufiba?

-onde??????

-Ufiba?

-ONDE?

-ufiba.

- AHHHHHHH, UFBA, não, você tem que esperar no outro ponto.

Fui ao outro ponto, e o processo continuou, cada motorista falou “outro ponto”. Começou a chover (chegamos aqui no “inverno”- o que significa somente uma coisa em Salvador: chuva). Molhada, frustrada, e chegando no mesmo ponto onde comecei quase uma hora antes, peguei Vilas do Atlântico, e cheguei ao campus cinco minutos depois.

Ainda tenho dias aqui como aquele, e só posso falar uma coisa, que “este dia não vai funcionar.”

Terceira fase: “Regression” ou “Regressão”- Chegando em casa depois do fiasco com o ônibus, não sabia o que fazer. Não tinha muitos amigos, não deu para sair. A família ficava nos quartos deles, e eu não queria invadir a privacidade de ninguém. Ligue a televisão e achei o MTV Brasil, e “Punk´d” estava passando naquela hora, em inglês com legendas em português, as quais eu podia ignorar. Foi quinta-feira, e dia que a família comia Mcdonald em casa, uma tradição que eu nunca cheguei a entender. Minha irmã brasileira passou no meu quarto só para deixar o hambúrguer e voltou para o quarto dela. Ai eu fiquei no quarto, comendo Mcdonald e assistindo “Punk´d” em inglês, confundida porque eu estava estudando exatamente no Brasil.

Quarta fase: “Recovery” ou “Recuperação”- Eu não gosto de Mcdonald, realmente nunca o como nos Estados Unidos, e prefiro muito mais ao acarajé. Não moro mais com aquela família, e adoro a carioca que me adotou este semestre, a qual prefere andar pela casa só de calçinha, que figura! Adoro os dias que “não funcionam,” porque eu sei que estou em Salvador quando passo um dia maluco procurando um banco que não tem fila enorme, ou uma aula que ao final foi cancelada, ou um ônibus que me levaria ao local errado, ou quando saio de casa só com quatro reis e pego ônibus errado e quando chego ao Iguatemi, chego a descobrir que não posso tirar dinheiro com o cartão porque foi bloqueado pois os números foram roubados, e não tenho mais dinheiro para pegar ônibus. Aí, eu ligo para minha amiga para me buscar.

Tem dias aqui que eu nunca esquecerei, nem mudaria para nada.

Quinta fase: “Reverse Culture Shock” ou “Choque cultural ao voltar”- O Brasil me ensinou muito sobre a minha própria cultura. Morar num outro país é quase como viver com um espelho sempre colocado na frente da sua cara; você pode ajustar como você se comporta, mas sempre será diferente. A coisa é que já me acostumei como funcionar nesta sociedade, nesta língua, nesta roupa, com este dinheiro, comendo esta comida. Aprendi a beijar duas vezes na cara quando conhecer alguém, a entrar no ônibus na porta de trás e descer na da frente, a não tocar a comida com as mãos nem comer enquanto andar pela rua, e vai ser difícil voltar a tudo que eu conhecia antes do Brasil. Mas isto é assunto para o próximo blog: “de quê eu vou ter saudades”.

Cultura de Paranóia *

* (Gente, coloquei três blogs agora...desculpe por atraso!)

Naquele momento em que você sabe que você vai ser assaltada, o corpo é imobilizado, completamente imobilizado, a mente está correndo, e você sente que o tempo parou. As manifestações de seus movimentos, decisões, e reações a maioria das vezes, são instintivas, não culturais. Às vezes a situação formada que dá um assaltante a oportunidade de assaltar alguém é construída pela informação cultural daquela pessoa. Às vezes parece que a pessoa não é muito inteligente, mas por outro lado, a informação da cultura dessa pessoa influenciou as suas decisões. Por exemplo, na quinta feira passada, eu fui à ilha de Itaparica com meus amigos, alguns americanos do programa e alguns americanos visitando a gente. A gente chegou à praia com todas as pessoas dos restaurantes e bares perturbando a gente, então seguimos a praia até a parte com menos gente (de verdade, sem ninguém). Depois de alguns minutos todo mundo estava na água menos eu e minha amiga. Estávamos lá na praia batendo o papo quando minha amiga olha na mata atrás da gente e me falou “tem alguém olhando para a gente”. Nesse momento, não teve jeito. Nós duas pensamos “puxa, somos idiotas aqui sozinhas nessa praia deserta com todas as coisas.” Logo no momento em que peguei minha mochila, o homem na mata se levantou e falou “me dá a bolsa,” mostrou uma facão, e pegou a mochila de nosso colega. E foi assim que fui assaltada a primeira vez.

Às vezes me sinto bem acostumada com a vida aqui, minha vida brasileira. Não consigo pensar numa coisa cultural que é chocante para mim, mas depois me lembro que não é uma coisa, é um estilo de vida que é chocante e ao qual é difícil de se acostumar. Para mim a parte da vida brasileira ou a vida de Salvador mais difícil de entender e me acostumar é a possibilidade de perigo que sempre presente.

A coisa chocante não é só o fato de que essa cidade é perigosa, a coisa chocante é que pessoas nunca se acostumam com a realidade de perigo e vivem a vida carregando essa preocupação. Minha mãe me falou outro dia que ela sempre tem que passar numa rua no caminho para casa em que ela já viu várias vezes meninos da rua brigando entre si com pedaços de madeira. Ela falou que ela “morre de medo cada vez”. Como pode viver assim, morrendo de medo cada dia da vida? Ela também me contou várias historias de pessoas sendo assaltadas na frente de nosso prédio. Uma vez alguém levou uma mochila, outra vez, um carro, outra vez os tênis dum rapaz andando na rua. Como uma pessoa agüenta a possibilidade de ser assaltada cada dia?