quinta-feira, 22 de maio de 2008

Homem com H

Dia das Mães foi o dia 11 de maio, e como eu não consegui festejar esse feriado com minha mãe verdadeira, eu decidi festejá-lo com minha mãe hospedeira. Queria lhe dar um presente maravilhoso porque ela me mima todo dia: ela cozinha soja para o jantar porque eu sou vegetariana, comprou uma camiseta indiana para mim porque achou que tinha minha cara, sempre deixa um doce gostoso na mesa para mim, e todo fim de semana me leva por um bairro da cidade para conhecer Salvador melhor. Então, eu queria que o Dia das Mães fosse perfeito, porque se alguém merece um dia perfeito, é ela. Mas o que é que poderia lhe dar? Não tinha nenhuma idéia.

Todo domingo minha mãe hospedeira compra o jornal A Tarde e eu leio só o "Caderno2." Um mês atrás eu lia esse jornal quando eu vi um pequeno artigo sobre um show de Ney Matogrosso que haveria os dias 9 e 10 de maio, no mesmo fim de semana do Dia das Mães. Foi exatamente o que eu procurava. Mas... podia ser que minha mãe hospedeira não gostasse do jeito de Ney. Ele é tão... sexual... e ela é tão inocente e doce e... tão mãe. Não sei, mas na minha experiência, "mãe" e "sexual" não são sinônimos. Mas como eu já tinha comprado os ingressos, não havia nada para fazer—minha mãe e eu fomos para o show de Ney.

Sentávamos no Teatro Castro Alves, vestidas toda chiques e olhando o público. A primeira coisa que me surpreendeu foi sua idade: eu era a pessoa mais jovem no teatro! A boa parte das pessoas tinha mais do que cinqüenta anos, careca ou com cabelos brancos e usando óculos. A segunda coisa que me surpreendeu foi o número de pessoas heterossexuais: casais casados constituíram a maioria do público! Só vi dois casais gays, que num show de um artista gay numa cidade que é o berço do movimento GLBTT no Brasil, foi algo estranho. Mas mais surpresas estavam por vir...

As cortinas abriram e lá no palco tinha Ney Matogrosso, deitado num sofá como uma rainha egípcia. Ele usava roupa metálica e apertadíssima, com colar e mini-saia e um chapéu brilhante que parecia cabelo curto feminino. E de não sei onde veio essa voz maravilhosa de uma mulher sexy que já viveu muitas coisas e que já tem muitas histórias para contar, e o show começou. Ney dançou o tempo todo, mostrando a sua fonte inesgotável de energia e poder manipulador: às vezes ele pareceu com uma estrela burlesque dos anos 50, outras vezes ele me lembrou mais de uma feminista militante mostrando o microfone como se fosse um pênis. A cada duas ou três canções ele mudava de roupa sem sair do palco, provocando o público com um striptease até que ele ficou quase nu e mostrando o seu corpo musculoso que parece trinta anos mais jovem do que é.

Mas a maior surpresa foi a resposta do público às provocações de Ney: ele adorou! Todo mundo gritou e cantou e bateu palmas quando ele cantava e tirava a roupa, e quando ele saiu do palco para flertar com pessoas no público, todo mundo ficou maluco! Ney apaixonou homens e mulheres até que o espaço formal do teatro mudou e todo mundo saiu dos seus assentos e ficou de pé em frente ao palco, tentando tocá-lo e tirar fotos dele. Foi uma loucura!

O jeito dele é quase impossível de definir, mas acho que o forte magnetismo de Ney Matogrosso vem de sua habilidade de brincar com e manipular as definições de homem e mulher, heterossexual e homossexual, velho e jovem. A única coisa que eu sei com certeza é que ele conseguiu provocar e atrair a mim e a minha mãe hospedeira—e que foi um Dia das Mães inesquecível.
"Quando eu estava pra nascer
De vez em quando eu ouvia
Eu ouvia mãe dizer
Ai meu Deus como eu queria
Que essa cabra fosse homem
Cabra macho pra danar
Ah! Mamãe aqui estou eu
Mamãe aqui estou eu
Sou homem com H
como sou estribilho
Eu sou homem com
E com H sou muito homem
Se você quer duvidar
Olhe bem pelo meu nome
Já tô quase namorando
Namorando pra casar
Ah! Maria diz que eu sou
Maria diz que eu sou
Sou homem com H" --Ney Matogrosso

5 comentários:

Gabriela Cravoecanela disse...

Adorei a imagem de você e a sua mãe hospedeira assistindo um espetáculo assim! Imagino que o público que foi assistir sabia mais ou menos o que iam ver num show de Ney, mas que bom que ficaram tão entusiasmados! A coisa com o TCA é que geralmente atraia um público que tem dinheiro, de classe alta, então já posso imaginar como seria uma surpresa ver todo ele de pé tentando tocar Ney no palco... que loucura. Seria interessante saber se estes pessoas geralmente aceitam homossexualidade na vida cotidiana, ou se só seria uma coisa aceitável no palco.

Rhea disse...

Como um membro do platéia daquela noite, eu fique hipnotizada pelo Ney....as cores brilhantes, as luzes vivas...o ambiente deslumbrante no qual qualquer tipo de comportamento era aceitável. Mas o que mais me impressionou foi a maneira em que o Ney era capaz de afetar uma atmosfera totalmente livre e tolerante, quebrando fronteiras só com o carisma dele.

Seu Drake disse...

Para mim, pelas poucas informações que eu sei sobre ele, Ney é um artista muito, muito único, e não apenas pelas suas fantasias. Tem muitos artistas que apresentam um show sexy, e que usam o sexo para atrair fãs, é claro. Também tem muitos artistas que são conscientes socialmente, que querem levantar questões inquietantes por trás da sua música. São muito poucos que conseguem ser convincentes nos dois campos simultaneamente. Acho que tem artistas norte-americanos que tentam disso, como Marilyn Manson ou Pink, mas com certeza o Ney é muito mais convincente...

val disse...

adorei ler sobre a sua experiencia, quero assistir mais shows no brasil. acho que vou ver alguns videos de ney no youtube para ver exatamente o que é que é tão impressionante!

Kyle disse...

Caitlin,
Esse blog é realmente maravilhoso! Eu tambem adorei tanto seu discernimento na questão de hetero e homosexualidade aqui no Brasil. Num país que odeia tanto a idéia de um casal gay, há um grande espaço para o que existe entre a idéia de hetero e homosexualidade. Acho que você tem razão quando você fala que Ney brinca com esse espaço, e é claro que ele fez um grande sucesso. Acho que o povo aqui também brinca com esse espaço no Carnival, no teatro, na televisão, e em várious outros lugares, sobretudo com o homem que veste como mulher. Mas muito bem feito e adorei a historia também!