sexta-feira, 9 de maio de 2008

LÍNGUAS METIDAS



A língua é um modo de comunicar pensamentos, idéias e conceitos. Por evidência empírica, sabemos que a língua não é uma parte do processo do pensamento, é somente um resultado. Ao sugerir que a língua desempenha um papel na formação da ideologia dum povo, uma pessoa demonstra uma inclinação racial que falantes duma certa língua são mais inteligentes do que uns falantes duma outra língua. A língua opera independentemente dos pensamentos que ocorrem na mente. Esse fato explica por que as teorias marxistas podem ser entendidas da mesma forma na Rússia, na China e em Cuba, por pessoas que falam russo, chinês e espanhol.
Simplesmente, não há uma língua que seja superior às outras. Esse fato parece bastante simples e compreensível, mas eu encontro tantas pessoas que ou discutem o fato abertamente ou discordam dele sem dar-se conta. Até professores me comentaram que achavam uma língua “melhor” do que outra, o qual me parece um exemplo vivo da ignorância. Por exemplo, eu nem acreditei que um professor aqui (aparentemente com conhecimento na área de lingüística) disse que o português é a língua “mais rica” que existe. Esse professor se baseou no fato de que o português tem uns 14.000 verbos, mas isso não quer dizer que é simplesmente a língua “mais rica” de jeito nenhum. Uma língua pode ser mais rica em alguns aspectos, mas não como totalidade. Por exemplo, o português é uma língua extremamente rica na expressão dos tempos verbais. E o inglês tem mais adjetivos do que qualquer outra língua do mundo. Mas esses fatos só representam alguns aspectos da língua.
Pode ser difícil de admitir que a sua língua não seja capaz de se expressar melhor do que qualquer outra, porque VOCÊ sabe se expressar melhor nessa língua melhor do que qualquer outra. Você não poderia imaginar tantas expressões, matrizes sutis ou sagacidades num idioma que não seja a sua língua materna. Inclusive muitas pessoas acreditam que “se você insulta a minha língua, o insulto é para mim.”
Mesmo assim, uma língua só abrange as necessidades dos falantes, e enquanto o número de falantes aumenta, ela vai inventando novos termos ou tomando emprestado de outras línguas.
Também, qualquer lingüista de hoje pode explicar que não existem línguas “primitivas,” como não existem pessoas primitivas.
Eu já ouvi vários colegas e amigos meus falar que o espanhol, o inglês, o português, o francês, o alemão e o italiano são a língua mais “inteligente”, “desenvolvida”, “bela”, ou “complexa.” Pura besteira. Eles podem ter as suas opiniões, mas lingüísticamente, isso é bobagem.
Por exemplo, existem fenômenos lingüísticos muito mais complexos do que os nas línguas indo-européias. Numa língua nativa do Sudeste Asiático (Boro), existe um verbo só para descrever quando uma pessoa se apaixona pela última vez (“onsra”). Também há um verbo para descrever o ato de procurar por algo abaixo d’água por pisar (“gagrom”). A tribo Iroquois nos Estados Unidos tem dentro de todos os verbos, a habilidade de expressar o sujeito, o objeto, o tempo, a quantidade de vezes, tudo isso num verbo só. Nas línguas européias, não somos capazes de expressar o conceito de “nós” muito precisamente. Pode significar você e eu, vocês e eu, ele e eu, ela e eu, eles e eu, etc. Mas, em muitas línguas nativas da Austrália, há uma distinção entre “nós” exclusivo e “nós” inclusivo. Não podemos permitir que essas complexidades ricas sejam desapercebidas.

2 comentários:

val disse...

rhea, seu conhecimento da linguistica continua me impressinando! parabens pra vc por comunica-lo tao bem numa lingua estrangeira.

“se você insulta a minha língua, o insulto é para mim.”

eu tenho que dizer que isso e tao verdade pra mim...eu fico um poquinho chateado quando o meu namorado baiano da risada de mim falando em ingles por telefone com meus amigos, dizendo que ele acha feio o "rrr" do ingles. ingles é MEU, é MIM, sabe?!

MariaLuisa disse...

Amazing.

Love, mom