“Estou roxo de raiva”, falou o caranguejo. “Eu não vou voltar lá, de jeito nenhum!"
“Quem agüenta desse povo? Eu concordo com você. A partir de agora, vamos ficar mais perto do mar,” respondeu a mulher do caranguejo.
“Pois é, mas vamos desistir tão fácil? Eu estava falando com Carlos ontem. Ele disse que aqueles peixes amarelos que moram perto de Praia do Forte estão perdendo toda a integridade deles. O povo que fica olhando eles vai aumentando todo dia, sem respeitando nada. Um homem vestido de sunga vermelha com a pele da mesma cor assistiu a filha do Ministério Publico de Saúde dos Peixes Amarelos tomar banho ontem, e um monte de italianos assistiu Ângela sendo fertilizada. Imagine!”
“Eu sei. Mas as coisas aqui são péssimas também, e vamos melhorar a situação como? Olhe aquela mulher aí, com os chinelos azuis. Ela estava aqui a semana passada com uma criança horrível. Horrível, viu? Essa criança achou nosso filhinho, nosso amorzinho que é só um caranguejo miudinho, e jogou ele no mar. Que coisa! Se ele fosse minha filha, eu teria dado uma surra nela. Mas ela só sorriu e aplaudiu.
“Esse povo é assim, não é? Os caranguejos pertencem a esse lugar, já temos milhões de anos aqui. Pois, de repente, esses seres humanos aparecem de mala e cuia e esperam ser donos da praia. Mas olhe, nem sabem que fazer com os corpos deles. Eles vestem essas sungas que deveriam cobrir ao menos a bunda, mas nem cobrem! A maioria fica sentada nas cadeiras, olhando para a praia como se esperasse uma mensagem do Deus do Mar. Tem gente que tenta nadar na água, mas que coisa! Eles só caem no chão engolindo água e esquecendo que eles não têm nadadeiras. Se eu falasse o português deles, ...”
“Oi Senhor Caranguejo, você está tão gostoso hoje,”gritou um peixinho boiando na água.
“Vai ver se eu tou lá na onda, puxa!” Ele virou-se para sua mulher. “Ninguém merece essa comunidade de peixinhos. Faz algum tempo que eles dão um trabalho dentro do ministério da vida submarina baiana. Graças a deus que eu fico na praia durante a maior parte da noite”.
“De qualquer jeito,” começou a sua mulher, “eu estou pensando em mudar de casa. Tenho família no Espírito Santo e eles me avisaram que o povo lá é muito mais tranqüilo. E esse novo jogo com as raquetes e a bola, nove caranguejos já morreram por causa dele só nesse bairro.”
“Amor, acho que eu quase morri também, mas você me dá sorte na vida.”
“Espere aí, Caetano. Você está vendo aquela mulher dividindo aquele picolé com o cachorro? Ele morde, e depois o cachorro morde. Seria como se você estivesse dividindo um peixinho com um golfinho!”
“Amor, você está ouvindo essa música? Que coisa linda!”
Os caranguejos deixaram de falar e começaram a andar na direção do som, bocas abertas. De repente, alguém gritou:
“Os caranguejos gostam de Ivete Sangalo também, é? Venham cá para escutar, meus filhos.”
E assim acabou a conversa dos dois caranguejos, naquele momento e para sempre.
sábado, 10 de maio de 2008
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4 comentários:
Que maravilha! Adorei os caranguejos! Você tem uma imaginação imensa, Kyle... e se a história continuasse? Eles mudariam para o Espírito Santo? E como é que um caranguejo muda de casa exatamente? Estou imaginando algo parecido com as aventuras de Nemo, tartarugas surfistas incluídos. Nunca parei para imaginar a vida intima dum caranguejo, mas obrigada por me dar a chance.
Isso mesmo, Kyle! Eu me faço a mesma pergunta: porque os seres humanos se sentam lá na areia, simplesmente esperando alguma coisa acontecer na beira do mar, enquanto se aplicam um bocado de cremes, hidrantes e loções.....que coisa esquisita!
É essa história uma grande alegoria sobre a inutilidade da vida? É algo filosófico? Você lê tanto que eu acho que essa história deve ter um significado importantíssimo, inspirado nas obras de Plato, Albert Camus e César Chavez. Tenho razão, né?
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