domingo, 15 de junho de 2008

Saudades sem fim

Mesmo que nós não tenhamos uma palavra que traduz exatamente para “saudades” em inglês, entendemos o sentido dela de modo inerente. A primeira vez que entendi, ou pensei que tinha entendido esse significado, eu estava tentando dormir numa cama nova, num apartamento estranho, num outro hemisfério da minha terra, e além de tudo disso, estava fazendo um calor insuportável. Pelo menos, na época não suportei. Deitada lá, na escuridão que, no Corredor da Vitória, dificilmente escurece a mais de uma sombra amarelada, ficava imaginando tempestades de neve, noites geladas de Janeiro quando tudo está coberto por um glacê de gelo e fica escuoa e silencioso como se o mundo todo estivesse dormindo. Com essas imaginações frias, adormeci.

Depois, falando com minha família pela primeira vez num orelhão na rua abaixo, onde quase não dá para ouvir seus próprios pensamentos, muito menos a outra pessoa, percebi que “estar com saudades” é muito mais do que simplesmente “sentir a falta” de alguma coisa. Eu senti a falta do frio, até senti a falta de vestir três camadas de roupa e um casaco de penas de ganso, mesmo que saiba que me chateia muito. Ter saudades de alguma coisa já é muito diferente. Enquanto eu gritei pelo telefone na Av. Sete de Setembro, atraindo olhares das pessoas passando, a minha família toda estava passando as férias no Canadá, nadando nos lagos frios e fazendo fogueiras à noite. Nesse momento entendi, realmente entendi, o que é que quer dizer saudade. O desejo da sua alma de estar num lugar conhecido, fazendo as coisas, quaisquer que sejam, que sempre fizeram com que as pessoas lhe conheçam como você verdadeiramente é. Era isso que me faltava, a sensação de inclusão, de que eu pertenço a um lugar e ele a mim.

Ao longo desse ano, eu fui me adaptando ao calor, ao costume de um almoço pesado, às ruas cheias e agitadas, aos olhares das pessoas no ponto de ônibus, mas há umas coisas de que eu nunca deixei de sentir saudades; das manhãs tranqüilas e brilhantes na minha cozinha, de andar descalça pelas ruas à noite no verão, de rir com minha família sobre coisas que aconteceram no passado tão distante que já não me lembro mais, mas sei que deve ter sido engraçado. Enquanto isso, porém, eu também fui me ligando ao esse local, descobrindo as coisas daqui que me encantam e criando uma história que não vai ser fácil deixar para trás.

Estou aqui há um ano, imagino que vá sentir muita coisa após ir embora, após chegar de novo na minha terra. No meu próprio quarto, silencioso e escuro, vou ter saudades dos sons da vida do Corredor da Vitória, que mesmo que esteja acontecendo sete andares abaixo, parece que está sucedendo na varanda lá fora. Vou ter saudades das folhas que aparentemente andam sozinhas, carregadas de formigas muito mais fortes do que as formigas de Michigan. Nas festas do inverno, onde todo mundo se veste de suéter e bebe rum quente, vou ter saudades dos reggaes espontâneos daqui, numa praça aberta à brisa maresia , onde é preciso apenas um pandeiro para rolar um som e dançar até já não saber mais de onde veio, nem para onde vai.

Minha cama vai parecer grande demais; meu café, fraco; meu suco, azedo; as ruas, desertas; as calçadas, largas e as pessoas, muito distantes uma da outra. Os biquinis vão ser folgados, os carros enormes, mas os motoristas bem-educados. Os esquilos vão me lembrar de mico sem pêlo nas orelhas, as senhoras na fila do supermercado vão parecer muito caladas.

Mesmo se nunca deixar de ter saudades de algum lugar, seja o Brasil, ou seja onde for, sempre vou saber que existem lugares aos quais pertenço, e que me pertencem.

4 comentários:

Anônimo disse...

Gostaria de parabenizar os gringos tagarelas e o falador Alex pelo lindo, sério e divertido blog. Esse texto sobre a saudade é um primor! Sinceramente, é a primeira vez que leio sobre saudade e de fato a sua expressão em língua me parece ser um espelho muito fiel do que se entende, ou melhor, daquilo que se sente por saudade.

Anônimo disse...

que texto lindo!
uma das melhores definições de saudade! Já vivi fora do país e me identifiquei muito com o que vc escreveu!
Parabéns!
Esther

Miley Guimarães disse...

Lindo!

Maddie disse...

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Madison
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