sábado, 24 de maio de 2008

Um Olhar Afro-Americano Sobre a Questão Negra na Bahia

Eu vim para Salvador, entusiasmada pela oportunidade de ser exposta à cultura afro-brasileira, na cidade conhecida como "o coração da cultura afro-brasileira." Minha expectativa foi a de que eu encontraria um povo que celebrasse sua identidade negra. A coisa que ainda me surpreende é que aqui em Salvador eu não tenho percebido o que nós chamamos "Black Pride" nos Estados Unidos, ou "orgulho negro." Salvador é uma cidade cheia de pessoas afro-descendentes, mas a coisa alarmante e perturbadora é que embora a maioria dos habitantes sejam afro-descendentes, eles não têm controle sobre este espaço. Sim, tem muitas pessoas afro-descendentes aqui, mas isso não muda o fato do que Salvador celebra um padrão branco e europeu, como o resto do Brasil.

Quem são os afro-descendentes de Salvador? Eu estou cheia de ver a pessoa preta ou parda como empregada doméstica, como "moço": porteiro, garçom, ou vendedor de jóias e bebidas na praia, como baiana de acarajé, como varredor de calçada, como trabalhador de construção. Eu estou farta de ver os afro-brasileiros em posições de servidão para pessoas mais claras.

Dois meses atrás, recebi minha primeira lição de superioridade econômica. Eu saí com algumas amigas de intercâmbio para o Bahia Café, uma boate muito chique e muito cara. Quando entramos, fiquei surpreendida de encontrar mais de cem rostos brancos em volta de mim, todo mundo de salto alto, brincos, relógios, e pulseiras espalhafatosos, camisas e vestidos fabulosos. Precisei me lembrar que estava em Salvador. Foi a primeira vez que tinha estado num ambiente completamente branco nesta cidade e teria sido impossível não perceber a conexão entre riqueza e branquitude. "Como é que numa cidade que é quase completamente afro-descendente, nas esferas mais ricas, os únicos rostos escuros são do pessoal de serviço?", pensei. Durante meu tempo aqui, eu tenho me acostumado ao fato do que os bairros mais lindos, as universidades, e os outros espaços de poder são espaços de pessoas com pele clara. A Liberdade, o bairro com a maior população negra em Salvador, no Brasil, e na América Latina, é também um dos bairros mais pobres da cidade.

A proporção da população afro-americana em relação ao resto da população americana (12%) é minúscula quando comparada com a proporção da população afro-brasileira em relação ao resto da população brasileira (50%). A proporção da população afro-brasileiro em relação ao resto da população é ainda maior em Salvador, onde os pretos e pardos constituem 80% da população. Se nossa população afro-americana é tão pequena comparada a população afro-brasileira, como é que nós temos revistas, canais de televisão, e filmes negros, e estas coisas não existem no Brasil? Durante minha estadia em Salvador, eu apenas vi uma revista com pessoas afro-descendentes na capa. Uma. Eu quase nunca vejo pessoas afro-descendentes na televisão. Nos EUA, eu posso encontrar produtos feitos para cabelo negro, e aqui, onde a cidade é 80% afro, quando eu entro numa farmácia e pergunto à balconista negra se ela conhece uma marca de xampu feito para cabelo negro, ela me olha como se eu fosse maluca.

Onde está a celebração de beleza negra? Se você anda pelos shoppings, todas as propagandas para roupa, maquiagem, jóias, ou qualquer outro produto apresentam mulheres branquíssimas, com traços europeus e cabelos lisos. Eu teria a expectativa da que as propagandas apareceriam assim nos EUA onde a população é 70% branco, mas aqui em Salvador não existe explicação. Eu só tenho encontrado a celebração da beleza e herança negra em esferas muito específicas. Na sede do bloco afro Ilê Aiyê, e num terreiro de Candomblé que visitei, o orgulho de ter herança negra e africana era palpável no ar, mas numa cidade com esta composição, a celebração da herança negra não deve ser limitada a espaços específicos.

Como é que numa cidade com tantas pessoas afro-descendentes, a cor escura é mais associada com pobreza e classe baixa, em vez de sucesso e profissionalismo? A coisa que mais me perturba é que não existe uma elite negra em Salvador, ou na Bahia. Antes de chegar aqui, eu tinha certeza que aqui haveria um monte de profissionais negros, simplesmente por causa de probabilidade. "Claro, com uma população que é 80% preta e parda, tem que ter muitas famílias negras que fazem sucesso em Salvador," eu pensei. Porém, aprendi na minha aula de "Raça e Classe no Brasil" e de minhas colegas baianas que um grupo de elite negra nunca se formou aqui. Como uma pessoa que vem de uma família de afro-americanos profissionais e influentes, que pertencia às organizações que incluíam famílias afro-americanas de alta escolaridade, e que freqüenta uma universidade excelente dentro da qual existe uma comunidade visível e ativa de estudantes afro-americanos, é muito difícil entender como uma cidade como Salvador não tem uma presença grande de negros educados e profissionais. Nos EUA, existe uma classe média negra concreta, e também uma classe alta negra. Mas aqui no Brasil, onde a população negra é cinco vezes maior, não existe nenhuma coisa parecida.

A realidade que é Salvador é uma realidade triste. Observar este mundo me causa frustração. Eu tenho saudades de uma sociedade na qual ser negro pode ser associado com poder e sucesso. Eu sempre achei que o fato de a população afro-americana sempre ter sido minoria era a razão de os afro-americanos terem tido menos poder do que os americanos brancos. Porém, observando a situação racial aqui em Salvador, onde os negros são maioria, mas têm menos poder que os americanos negros nos Estados Unidos, tem me mostrado que um grupo racial pode ser mantido numa posição subordinada, mesmo que seja maioria.

4 comentários:

Anônimo disse...

Sendo negro como sou, concordo em numero genero e grau, e vou mais longe o pouco que conheço da cultura afroamericana, comparo algumas situações com a do brasil, por exemplo é quase 100% comun vc ver um comercial ou uma novela com casais mistos, coisa que é dificil ver em filmes americanos, isto pro meu enteder serve para istimular a miscigenação, veja se estou errado, vc liga o radio e ouve um pertubado chamar o negro de moreno, o cara ou a mina é tão escuro quanto a noite; e o pior de tudo ele aceita esta situação, em outras palavras o quero dizer que a hipocrecia neste pais corre solta e em todos os niveis culturais, uma vez um amigo também negro disse, quér ver precoceito, deixa o negro e o branco esta no mesmo nivel social, se vc veio a salvador venha a sp e rj, olha vou dizer uma coisa, não acredito que tudo esteja perdido, na verdade precisamos nos unir, como vc viu defeitos aqui com certeza verei em seu pais, vou ficar muito feliz em dia sermos um unico povo{negro e feliz}.Essa semana estava ouvindo um programa do qual eu gosto muito jazz master, qual não foi a minha surpresa, estavam falando de uma cantora de jazz inglesa[branca] a moça era encrivel e muito mais com diferencial era linda! E ai cara o que vc faz em lugar como esse,gente nos precisamos nos aproximar,porque aqui ou ali a historias é diferente devemos nos unir com todas comunidades negras do mundo e tentar fazer uma unica força.

Caitlin disse...

Bem bem bem escrito, vou usar isso como inspiração para meu projeto acadêmico... você articulou todos meus pensamentos nesse assunto... deve traduzir esse para seu pai, acho que lhe fascinaria.

Mulher-intech disse...

Infelizmente, eu tenho que concordar com voce em relacao ao negro brasileiro. Sou uma afro brasileira, e realmente e inaceitavel o que a gente passa nesse pais, o que nao deveria de acontecer uma vez que somos maioria, mas nao podemos esquecer tambem que somos maioria em numeros, porque infelizmente em poder economico nao somos. Mas eu vivo no seu pais, e eu sei que o negro aqui e mais sucedido do que nos, porem, mesmo com todas as grandes oportunidades que os Estados Unidos oferecem ao seus cidadoes, vamos ser honestos tambem, a comunidade negra americana apresenta grandes, mas grandes problemas, se compararmos que voces vivem em um pais de primeiro mundo e nos de terceiro. Se compararmos as nossas historias, que sao totalmente diferentes. Mas e claro, vou concordar com voce em um fato, e inaceitavel, a situacao do negro do meu pais. No Brasil temos um apartheid enrustido, "under the table", ninguem assume que isso esta ai, e e quase impossivel combater algo que ninguem quer ver ou aceitar.

Anônimo disse...

A péssima distribuição de renda é o principal instrumento utilizado pelas classes dominantes (empresários, políticos, etc) pra dificultar a ascensão social e econômica do povo brasileiro.

No entanto, além das covardias engendradas pela elite, acredito que as atitudes do próprio negro brasileiro impedem a formação de uma classe média negra e até de uma classe alta de negros no Brasil.

Leia abaixo para entender.

Quando um negro consegue ascensão social (independente de como a tenha conseguido: futebol, música, ou muito estudo), ele passa a seus filhos condições para que avancem ainda mais. Essas condições podem ser estudos de alta qualidade, oportunidades de negócios, ou empregos que os filhos de pessoas menos afortunadas não conseguem.

Ou seja, à medida que vários negros pobres quebram a barreira sócio-econômica e ascendem socialmente, criam condições para que seus filhos progridam mais e mais, e com isso poderíamos ter cada vez mais negros bem-sucedidos no Brasil SE NÃO OCORRESSE O SEGUINTE FATO:

Os filhos e netos desses negros não são tão “negros” quanto eles… Por quê??? Por causa dessa tendência dos afro-brasileiros de se casar com mulheres brancas.

Em outras palavras, o que seria uma oportunidade de criar uma Classe Média Negra ou um “clã” de negros ricos acaba criando um clã de mestiços. Estes, por sua vez, ao se casar, tornam a escolher mulheres brancas… De forma que a “negritude” vai se “diluindo” com o passar das gerações, não contribuindo (como se esperaria) para aumentar o número e a proporção de negros nas classes média e alta.

Nos Estados Unidos isso não acontece devido à tendência dos afro-americanos de dar mais valor às mulheres de sua própria etnia... Já os afro-brasileiro fazem exatamente o contrário deles. E acabam diluindo sua “negritude” ao longo das gerações fazendo com que sua riqueza volte a ser de brancos?