Na minha casa, quem é que lava a roupa, às vezes à mão, que cozinha todos os almoços e jantares, que entrega a comida para a mesa como uma garçonete, que lava a louça, que passa a roupa, que limpa o banheiro, os quartos e a cozinha, que lava o chão... ? Não é minha “mãe” hospedeira ou meu “pai” hospedeiro. É Clarissa, nossa empregada doméstica.
Depois de estar no Brasil por quase cinco meses, a coisa a qual eu ainda não consigo me adaptar é a cultura de ser servido. Nos Estados Unidos, é extremamente raro ver uma empregada doméstica trabalhando na casa de uma família. Em geral, a mãe da família é a líder em termos de trabalho de casa, e ela divide as tarefas diferentes entre os membros da família. Aqui, ter uma empregada doméstica é muito normal para famílias de classe média. Não é visto como um signo de riqueza extrema como costuma acontecer muitas vezes nos Estados Unidos. Aqui, ter uma pessoa ajudando na casa é visto como ordinário e necessário.
No Brasil, existe a idéia de que é apropriado para algumas mulheres fazer algumas coisas, e outras mulheres, outras coisas. Uma ideologia brasileira que tem raízes nos tempos de escravidão é que fazer o trabalho de casa não é apropriado para a mulher de casa, antigamente a esposa branca do senhor da fazenda. O limpar e lavar eram vistos como trabalho designado para uma mulher de fora, antigamente a escrava preta ou parda, e hoje em dia em Salvador, a empregada doméstica preta ou parda.
Muitas vezes, durante o dia-a-dia no meu apartamento, a situação à frente de meus olhos parece ser uma cena dos tempos da escravidão. Uma família branca sentada na mesa, comendo comida deliciosa, mas não feita por nenhuma pessoa que está comendo. É feita pela empregada afro-descendente. A cada cinco minutos, alguém decide que precisa de alguma coisa da cozinha, mas não levanta para pegar, claro que não. É o dever de Clarissa. “Ô Clarissa, traga o sal,” “Ô Clarissa, traga o suco,” e ela vem da cozinha, trazendo a coisa pedida à mesa. A melhor cena é quando Clarissa está cozinhando o almoço e minha mãe hospedeira, sentada e assistindo televisão, decide que ela quer comer. “Clarissa, eu realmente estou com fome.” A resposta: “Está quase pronto, senhora,” e ela continua cozinhando.
Às vezes, me sinto frustrada ao observar este relacionamento entre donos de casa e mulher na posição de servidão. Eu sei que ela é paga, mas para mim, não resolve o fato ela está servindo as pessoas da família cada dia, e essencialmente realizando as mesmas tarefas feitas por escravas domésticas, um século e vinte anos atrás.
Eu acho uma coisa alarmante que muitas pessoas brasileiras, especialmente homens nunca aprendem cozinhar ou limpar porque, quando estão morando com a família, a mãe e a empregada fazem estas coisas, e quando se casam e têm casa própria, a esposa ou a empregada fazem. Nos Estados Unidos, um das qualidades mais valorizadas é a independência e a capacidade de estabelecer uma vida própria. Eu sempre tive orgulho de que eu podia fazer quase qualquer coisa para mim mesma. Minha mãe me ensinou a lavar minhas roupas quando eu tinha doze ou treze anos, e eu tenho estado lavando minha roupa para mim mesma desde aquele ano. Eu sei cozinhar se eu precisar cozinhar. Eu sei limpar se eu precisar limpar. Aqui, quando eu falo com pessoas brasileiras sobre estas coisas, ficam surpreendidas que uma pessoa de minha idade já sabe como cuidar de si mesma e fazer trabalho de casa, e não tem uma empregada doméstica que faz estas tarefas. Eu já aprendi que a cultura de ser servido é uma parte importante da cultura brasileira, mas isso é uma coisa à qual eu vou sempre ter dificuldade me adaptar.
terça-feira, 3 de junho de 2008
“Traga o Sal, Por Favor”
Marcadores:
adaptação,
Alanna,
classe,
comida,
cultura brasileira,
empregada,
escravidão,
família,
gênero,
intercultura,
raça,
Salvador
Assinar:
Postar comentários (Atom)
2 comentários:
Alanna,
Eu também me incomodo com o "sistema binário" na Bahia: ou você está servindo ou está sendo servido-- nos postos de gasolina, numa sorveteria, num bar, até dentro de casa... Mas a questão é: a gente deveria aceitar esse aspecto da vida cotidiana aqui ou devemos querer que esse sistema mude? Eu já tenho certeza de que eu gostaria. Quando eu abordei o tema das empregadas domésticas com a minha mãe hospedeira, ela apenas comentou, "É assim porque a cultura é diferente assim, e só isso." Mas, é realmente simples assim?
Vou roubar suas palavras para meu projeto o ano que vem! Mas quero dizer que o sistema estadunidense não é nada ideal. Lá também tem essa diferença entre trabalho intelectual e trabalho físico, e ainda tem uma desigualdade chocante na participação dos homens e das mulheres na esfera doméstica. Meu pai mesmo acha que o único trabalho dele é ir ao escritório... ele nega de lavar as louças, de levar minha irmã à escola, de cozinhar para a família. Minha mãe, que tem seu próprio emprego fora de casa, tem que fazer tudo em casa também por causa da preguiça do meu pai. Acho que é assim em muitas casa americanas. E esse negócio de raça e a sobrevivência de escravidão ainda acontece no Sudeste, mas sem tanta freqüência.
Postar um comentário