sexta-feira, 30 de maio de 2008

O choque cultural

Para mim, o “choque cultural” é um termo meio enganoso. A frase sugere uma batida de carro: um acontecimento instantâneo que deixa as vítimas confusas, perdidas e inquietantes. Durante cinco meses aqui no Brasil, minha própria perturbação surgiu lentamente, como uma série de realizações que rasgaram presunções tão íntimas que eu costumava pensar que elas faziam parte do meu próprio corpo. Será que qualquer pessoa, quando chega num país, sofre um golpe inicial da mesma maneira, independentemente se ela pretende ficar por três dias ou um ano? É claro que não. As primeiras reações, que no caso do turista vão ser principalmente reações ao que vê, são mascaradas pelo entusiasmo dele. É possível ser turista sem falar nenhuma palavra da língua do país. É somente a significativa interação cotidiana com os habitantes locais que vai provocar a perturbação a que eu estou me referindo.

Depois de algumas semanas, esse americano que resolveu se isolar do conhecido e estudar num país estrangeiro já tem alguns amigos com quem passeia e sai de noite. Armado com algumas gírias mal entendidas que a sua professora de português lhe ensinou, demora pouco tempo para ele acreditar que está falando “direitinho”. Um dia, sem importância nenhuma à parte de algum acontecimento que lhe deixa um pouco triste, um amigo pergunta “Tudo bem?”

Ele responda em voz baixa “Não...”

A cara apavorada do amigo convence o protagonista a corrigir a sua resposta anterior.

Na próxima semana há um feriado, e o estudante resolve ir pra praia. Conhece vários brasileiros jogando bola e depois do jogo eles tomam uma cerveja juntos e trocam os números dos celulares, para passear no final da semana que vem. Eles nunca ligam pro estrangeiro, mesmo dizendo que sim, ligariam. Será que ele não entendeu?

Levado para uma festa constrangedoramente chique pela sua mãe hospedeira, o estrangeiro não conhece ninguém e não tem nada a dizer. A sua mãe e uma amiga dela se aproximam dele, “Vem cá para conhecer o meu americano...”.

“Nice to meet-ch choo.”

“Um prazer”, o americano consegue falar.

“É muito tímido. Você é tímido, não é?” pergunta a mãe hospedeira, sorridente.

“Sou não.”

“Ele é tímido. Só fala comi-“

A amiga interrompeu-a, “Mas, ele sabe português?”

Ele não sabia como responder.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Sempre uma turista

Ontem eu fui para a casa do meu namorado pela primeira vez. Eu já tinha conhecido a mãe e as irmãs dele numa chá de fraldas, mas elas ainda me dão medo. Quero que elas gostem de mim, então eu passei mais do que uma hora me arrumando antes de sair: me vesti com as minhas calças preferidas e uma blusa colorida, e em vez de usar Havianas, eu usei minhas novas sandálias chiques. Ele mora longe demais de mim, em São Rafael-- qüase uma outra cidade!-- e quando cheguei lá, eu estava toda suada. Pior ainda, quando entrei no apartamento dele, todo mundo estava de bermuda e descalço. Meu Deus no céu, eu nunca me visto adequadamente para um evento aqui! A noite anterior eu tinha ido para uma chá de cozinha de calça jeans e Havianas!

Então, a partir do momento em que eu cheguei, me senti burra, e nada que aconteceu depois melhorou isso. A gente sentava no sofá assistindo umDVD de Daniela Mercury e falando do Carnaval, quando meu namorado me olhou e disse "Não fique insultada, mas só têm turistas gordos e chatos no bloco do Chiclete." Eu não fiquei insultada, mas fiquei surpresa: ele me acha uma turista? E depois disso eu fiz o papel de tradutor para entreter a irmã mais velha dele, repetindo todos os nomes da família em inglês para que ela risse das pronunciações americanas. Quando eu falei alguma coisa que ela não entendeu, ela pediu ajuda ao meu namorado, como se eu fosse uma criança com deficiência auditiva. Eu tenho certeza que ela não queria ser antipática ou desagradável, mas eu ainda me senti estúpida demais quando eu sai de lá. Meu namorado viu que eu estava quieta e me perguntou o que foi que estava pensando, mas eu não consegui responder.

No ônibus voltando para casa, quando eu tentava descobrir porque estava triste e calada, eu dei conta de que eu sou uma turista de verdade. Ainda que eu já tenha passado quatro meses aqui em Salvador, ainda que fizesse mais do que um mês que eu saio com meu namorado, eu sou uma turista na terra dele. Nunca vou conseguir entender tudo que ele fala, nunca vou conhecer todas as músicas famosas da Bahia, nunca vou falar sem sotaque americana. E no fim das contas, eu vou voltar para meu país e meu namorado vai ficar aqui. Ele nunca vai conhecer meus pais e minha irmã, nunca vai sair comigo para um show de Brother Ali, nunca vai jantar na minha casa com meus amigos, nunca vai andar de bicicleta quando está nevando, nunca vai estudar na biblioteca até quatro da manhã... tudo isso é minha vida lá que ele nunca vai entender. É tão diferente da realidade dele aqui, e quando eu penso nisso, já me sinto distante dele, mesmo que ele esteja vindo para minha casa agora. Graças a Deus que ainda tenho um mês em Salvador para continuar evitando minha existência turística!

terça-feira, 27 de maio de 2008

Racismo cabeludo

A mãe do meu amigo tem muito orgulho do cabelo dela. Ela quase não tem cabelos grisalhos, ainda que ela vá fazer cinqüenta anos no Abril que vem. Ela tem um corte bonito e jovem, e, mais importante que tudo, o cabelo dela é liso. Ela faz questão de chamar atenção a esse fato também porque, como ela diz, “Eu sou a cor de café, mas meu cabelo é lisinho” e passa a mão pelo cabelo.
Não se enganem, se não fosse pelos vários produtos de alisamento que ela usa e pelas duas horas por semana que ela passa secando e fazendo escova no cabelo, ele não seria liso. Não sei exatamente como pareceria. Eu nunca a vi com o cabelo desarrumado, nem uma foto dela com cabelo cacheado, e ela não fala de como é seu cabelo naturalmente. O importante é que esteja liso agora.
Essa obsessão pelo cabelo não parece incomum. Nas novelas, todas as personagens têm cabelo comprido, liso, brilhante, e já ouvi mais que uma vez alguém chamando seu cabelo crespo e cacheado de “cabelo ruim”. Esse é um padrão de beleza bem rígido, especialmente para uma região onde a grande maioria das pessoas tem cabelo cacheado. O racismo conseguiu chegar até o padrão de beleza, fazendo com que a imagem de beleza para uma mulher seja uma branca com cabelo liso, e preferencialmente loira.
Não é de se admirar. Quando você leva em consideração o fato de que a maior parte da classe média—a classe média alta é branca, ou pelo menos não-negra, e por alguma razão, o dinheiro sempre tem sido vinculado com a beleza, até faz sentido de uma maneira incômoda. Talvez se você se parecer com “gente bonita”, você também será.
Fazer sentido, no entanto, não justifica que essa forma de racismo bem manifesta seja tão aceita pela sociedade. A mãe do meu amigo já é uma pessoa bem-sucedida, fez duas faculdades, é muito inteligente, tem emprego bem remunerado, tem a sua saúde, e é sempre tomada como a irmã do meu amigo e não como a mãe dele. Mesmo assim, ela segue esse padrão ridículo de que o único jeito de ser bonito é de ter cabelo liso. O padrão pode mudar, mas precisa de pessoas que percebam a maluquice e que queiram mudá-la.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

a sexualidade na conversa cotidiana brasileira

No Brasil, como em qualquer outro país, a sexualidade afeita todos os aspetos da vida. Uma coisa que eu quero discutir neste blog é o assunto da sexualidade nas conversas cotidianas dos brasileiros. Umdia, eu estava passeando com meu namorado brasileiro e eu estavacontando para ele alguma historia engraçada que aconteceu com minhaamiga quando ela estava ficando com um homem brasileiro, (não voucontar os detalhes dessa história aqui, rsrs). Depois que eu contei eele deu risada, eu perguntei para ele "Entre você e os seus amigos, sediscutarem muito suas vidas sexuais?" Ele imediatamente respondeu "Nãomesmo, não assim como voces americanos." Eu perguntei o que issoqueria dizer, e ele respondeu que achava que eu e meus amigosamericanos sempre falam de sexo, sexo, sexo. Aí ele falou que nãoachava isso certo porque a vida sexual é algo privado na opinão dele.Ele falou que quase nunca se discute os detalhes de encontros sexuaiscom os amigos (não sei se acredito...). Eu fiquei muito impressionadae queria saber mais, então perguntei, "E as meninas brasileiras, falammuito de sexo entre si?" De novo, respondeu que achava quenão. Ele falou que "normalmente amulher jovem brasileira se presenta como virgem até que se casar." Euachei isso incrível! Como é que a sexualidade pode ser tão ausente nafala dos cidadãos do país conhecido no mundo entero pela suasexualidade liberal? Eu fiqeui um poquinho ofendida poís eu penseique ele pensasse que eu falava demais da minha vida sexual com asminhas amigas, e queria dar minha opinão. "Mas, o sexo ocupa umagrande parte de nossas vidas, né?" Eu falei, "Então, não vejo problemanenhum em discutir isso com as pessoas com quem eu convivo. Entrenós, não é nada para ter vergonha. Eu acho muito saudável conversarsobre o sexo." Bom, na verdade não posso terminar com este blog comalguma conclusão profunda, porque eu só sei a opinião de um brasileirosobre o assunto do sexo na conversa normal entre brasileiros. Alguémpode compartilihar alguma conversa semelhante à minha para podermosdescobrir o que é que os brasileiros falam de verdade entre amigosquando as portas estão fechadas?!

O Banho de Pipoca em Negro e Branco

Eu saio da minha casa às seis da manhã. Eu venho pensando que a vida começa muito mais cedo aqui no Brasil. Eu inspiro pela primeira vez quando eu alcanço a árvore na esquina da minha rua, e imagino como seria acordar lá embaixo dessa madeira elegante e régia. Eu não expiro até que eu chegar em frente do homem vestido de azul que varre a calçada todo dia, com movimentos curtos mas poderosos e experientes. Acho que ele sente minha expiração mas ele não olha para mim. Eu paro por um minutinho para observar os braços dele movimentando pelo espaço, criando uma sensação de tranqüilidade nos meus pés e joelhos.
Depois de caminhar 25 minutos, eu chego na igreja de São Lázaro. São às sete da manhã. Eu tenho sentido muito cansado, mas quando eu vejo os baianos e as baianas vestidos de branco, roxo e amarelo eu inspiro uma energia nova. Há uma mulher ao lado direito vestida com saia rosa e uma camisa branca. Ela está em pé esperando a próxima pessoa entrar na igreja. Enquanto ela espera, ela sacode uma xícara na mão. Finalmente, um homem chega na frente dela. Ela deixa de sacudir a xícara e ela olha para ele. As mãos dela movem para cima e para baixo, inscrevendo um perfil dos ombros e dos braços dele. Ela abraça o homem e o homem avança e entra a igreja.
Há mais duas mulheres na entrada, vestidas com vestidos brancos. A mulher mais magra está fumando e olhando para a rua. Eu quero entrar na igreja mas eu ainda estou com medo. Eu espero até que mais uma pessoa chegue. A próxima pessoa que vem é um homem que pára na frente da mulher mais magra. Ela sente a cabeça dele, e deixa a mão lá em cima da cabeça dele alguns segundos. Depois, ela faz a mesma coisa, desta vez com as mãos fechadas na cabeça dele. Ela pega um galho de uma árvore e começa a esfregar na pele dele. Ela esfrega todo o corpo dele com um vigor impressionante. As mãos finalmente descansam nos ombros dele, e ela pega pipoca. Ela joga a pipoca sobre a cabeça dele e depois sobre os ombros. Eles se abraçam, ele entra na igreja.
Eu tenho que entrar. Já é tarde. Eu expiro, eu ando na direção de um homem vestido com camisa e calça roxa. Ele cheira muito bem, como o ultimo trago de água de coco do coco mesmo. A gente se olha. Ele é muito amável e ele quer muito bem a mim. Eu sinto a mesma coisa, eu quero muito bem a ele. Ele toca minha cabeça, ele escova meu corpo. Ele joga pipoca sobre minha cabeça e meus ombros. Eu inspiro e ele pergunta:
“Dá um real para mim?”

sábado, 24 de maio de 2008

Um Olhar Afro-Americano Sobre a Questão Negra na Bahia

Eu vim para Salvador, entusiasmada pela oportunidade de ser exposta à cultura afro-brasileira, na cidade conhecida como "o coração da cultura afro-brasileira." Minha expectativa foi a de que eu encontraria um povo que celebrasse sua identidade negra. A coisa que ainda me surpreende é que aqui em Salvador eu não tenho percebido o que nós chamamos "Black Pride" nos Estados Unidos, ou "orgulho negro." Salvador é uma cidade cheia de pessoas afro-descendentes, mas a coisa alarmante e perturbadora é que embora a maioria dos habitantes sejam afro-descendentes, eles não têm controle sobre este espaço. Sim, tem muitas pessoas afro-descendentes aqui, mas isso não muda o fato do que Salvador celebra um padrão branco e europeu, como o resto do Brasil.

Quem são os afro-descendentes de Salvador? Eu estou cheia de ver a pessoa preta ou parda como empregada doméstica, como "moço": porteiro, garçom, ou vendedor de jóias e bebidas na praia, como baiana de acarajé, como varredor de calçada, como trabalhador de construção. Eu estou farta de ver os afro-brasileiros em posições de servidão para pessoas mais claras.

Dois meses atrás, recebi minha primeira lição de superioridade econômica. Eu saí com algumas amigas de intercâmbio para o Bahia Café, uma boate muito chique e muito cara. Quando entramos, fiquei surpreendida de encontrar mais de cem rostos brancos em volta de mim, todo mundo de salto alto, brincos, relógios, e pulseiras espalhafatosos, camisas e vestidos fabulosos. Precisei me lembrar que estava em Salvador. Foi a primeira vez que tinha estado num ambiente completamente branco nesta cidade e teria sido impossível não perceber a conexão entre riqueza e branquitude. "Como é que numa cidade que é quase completamente afro-descendente, nas esferas mais ricas, os únicos rostos escuros são do pessoal de serviço?", pensei. Durante meu tempo aqui, eu tenho me acostumado ao fato do que os bairros mais lindos, as universidades, e os outros espaços de poder são espaços de pessoas com pele clara. A Liberdade, o bairro com a maior população negra em Salvador, no Brasil, e na América Latina, é também um dos bairros mais pobres da cidade.

A proporção da população afro-americana em relação ao resto da população americana (12%) é minúscula quando comparada com a proporção da população afro-brasileira em relação ao resto da população brasileira (50%). A proporção da população afro-brasileiro em relação ao resto da população é ainda maior em Salvador, onde os pretos e pardos constituem 80% da população. Se nossa população afro-americana é tão pequena comparada a população afro-brasileira, como é que nós temos revistas, canais de televisão, e filmes negros, e estas coisas não existem no Brasil? Durante minha estadia em Salvador, eu apenas vi uma revista com pessoas afro-descendentes na capa. Uma. Eu quase nunca vejo pessoas afro-descendentes na televisão. Nos EUA, eu posso encontrar produtos feitos para cabelo negro, e aqui, onde a cidade é 80% afro, quando eu entro numa farmácia e pergunto à balconista negra se ela conhece uma marca de xampu feito para cabelo negro, ela me olha como se eu fosse maluca.

Onde está a celebração de beleza negra? Se você anda pelos shoppings, todas as propagandas para roupa, maquiagem, jóias, ou qualquer outro produto apresentam mulheres branquíssimas, com traços europeus e cabelos lisos. Eu teria a expectativa da que as propagandas apareceriam assim nos EUA onde a população é 70% branco, mas aqui em Salvador não existe explicação. Eu só tenho encontrado a celebração da beleza e herança negra em esferas muito específicas. Na sede do bloco afro Ilê Aiyê, e num terreiro de Candomblé que visitei, o orgulho de ter herança negra e africana era palpável no ar, mas numa cidade com esta composição, a celebração da herança negra não deve ser limitada a espaços específicos.

Como é que numa cidade com tantas pessoas afro-descendentes, a cor escura é mais associada com pobreza e classe baixa, em vez de sucesso e profissionalismo? A coisa que mais me perturba é que não existe uma elite negra em Salvador, ou na Bahia. Antes de chegar aqui, eu tinha certeza que aqui haveria um monte de profissionais negros, simplesmente por causa de probabilidade. "Claro, com uma população que é 80% preta e parda, tem que ter muitas famílias negras que fazem sucesso em Salvador," eu pensei. Porém, aprendi na minha aula de "Raça e Classe no Brasil" e de minhas colegas baianas que um grupo de elite negra nunca se formou aqui. Como uma pessoa que vem de uma família de afro-americanos profissionais e influentes, que pertencia às organizações que incluíam famílias afro-americanas de alta escolaridade, e que freqüenta uma universidade excelente dentro da qual existe uma comunidade visível e ativa de estudantes afro-americanos, é muito difícil entender como uma cidade como Salvador não tem uma presença grande de negros educados e profissionais. Nos EUA, existe uma classe média negra concreta, e também uma classe alta negra. Mas aqui no Brasil, onde a população negra é cinco vezes maior, não existe nenhuma coisa parecida.

A realidade que é Salvador é uma realidade triste. Observar este mundo me causa frustração. Eu tenho saudades de uma sociedade na qual ser negro pode ser associado com poder e sucesso. Eu sempre achei que o fato de a população afro-americana sempre ter sido minoria era a razão de os afro-americanos terem tido menos poder do que os americanos brancos. Porém, observando a situação racial aqui em Salvador, onde os negros são maioria, mas têm menos poder que os americanos negros nos Estados Unidos, tem me mostrado que um grupo racial pode ser mantido numa posição subordinada, mesmo que seja maioria.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

sexualidade

Eu estou morando com uma mulher carioca e a filha dela este semestre, e tenho que dizer que a maior parte do tempo, elas andam quase peladas pela casa. Não tem homem que mora com nós, então, quem vai se preocupar com isso? Entendo que não seja assim em todas as casas do Brasil, mas no último lugar em que morei, a família tinha o mesmo hábito de andar só de cueca pela casa. Baseado no que meus amigos falam, isso é comum. Naturalmente, isto faz pensar em que o Brasileiro seria mais confortável com a sexualidade do que nos Estados Unidos, e ainda que seja um povo que tem mais facilidade de mostrar e apreciar o corpo humano, eu acho que sexualidade no sentido do ato de sexo, é outra coisa. Por ser um país católico, os pensamentos sobre a liberdade de sexo, seja escolher ser homossexual, abortar quando se estiver grávida, ou experimentar com o sexo, são geralmente mais conservadores do que eu pensava. Educação nas escolas sobre o sujeito é pouco, e as pessoas que têm menor contato com a educação, nas favelas, sofrem mais as conseqüências disso. Além de estudo feito por jornalistas em Rio de Janeiro que moraram em vários morros para estudar a “violência que oculta a favela”, é comum ter crianças de oito anos transando, e ter mulher grávida as quinze anos, o avó de 35 anos. O que acho interessante, é que estas pessoas provavelmente seriam contra o aborto e a homossexualidade.

Pessoalmente, eu acho que minha geração tem idéias mais liberais sobre o sexo do que os nossos pais, mas se este movimento no pensamento do povo não vem com aumento de educação (ao contrário do que afirma Alberto Carlos Almeida em “A Cara do Brasileiro), a população vai sofrer as conseqüências da gravidez cada vez mais jovem ou aumentando a população que vive com doenças transmitidas sexualmente. Ter liberdade de pensamento sobre sexualidade é diferente de ser liberado sexualmente.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Homem com H

Dia das Mães foi o dia 11 de maio, e como eu não consegui festejar esse feriado com minha mãe verdadeira, eu decidi festejá-lo com minha mãe hospedeira. Queria lhe dar um presente maravilhoso porque ela me mima todo dia: ela cozinha soja para o jantar porque eu sou vegetariana, comprou uma camiseta indiana para mim porque achou que tinha minha cara, sempre deixa um doce gostoso na mesa para mim, e todo fim de semana me leva por um bairro da cidade para conhecer Salvador melhor. Então, eu queria que o Dia das Mães fosse perfeito, porque se alguém merece um dia perfeito, é ela. Mas o que é que poderia lhe dar? Não tinha nenhuma idéia.

Todo domingo minha mãe hospedeira compra o jornal A Tarde e eu leio só o "Caderno2." Um mês atrás eu lia esse jornal quando eu vi um pequeno artigo sobre um show de Ney Matogrosso que haveria os dias 9 e 10 de maio, no mesmo fim de semana do Dia das Mães. Foi exatamente o que eu procurava. Mas... podia ser que minha mãe hospedeira não gostasse do jeito de Ney. Ele é tão... sexual... e ela é tão inocente e doce e... tão mãe. Não sei, mas na minha experiência, "mãe" e "sexual" não são sinônimos. Mas como eu já tinha comprado os ingressos, não havia nada para fazer—minha mãe e eu fomos para o show de Ney.

Sentávamos no Teatro Castro Alves, vestidas toda chiques e olhando o público. A primeira coisa que me surpreendeu foi sua idade: eu era a pessoa mais jovem no teatro! A boa parte das pessoas tinha mais do que cinqüenta anos, careca ou com cabelos brancos e usando óculos. A segunda coisa que me surpreendeu foi o número de pessoas heterossexuais: casais casados constituíram a maioria do público! Só vi dois casais gays, que num show de um artista gay numa cidade que é o berço do movimento GLBTT no Brasil, foi algo estranho. Mas mais surpresas estavam por vir...

As cortinas abriram e lá no palco tinha Ney Matogrosso, deitado num sofá como uma rainha egípcia. Ele usava roupa metálica e apertadíssima, com colar e mini-saia e um chapéu brilhante que parecia cabelo curto feminino. E de não sei onde veio essa voz maravilhosa de uma mulher sexy que já viveu muitas coisas e que já tem muitas histórias para contar, e o show começou. Ney dançou o tempo todo, mostrando a sua fonte inesgotável de energia e poder manipulador: às vezes ele pareceu com uma estrela burlesque dos anos 50, outras vezes ele me lembrou mais de uma feminista militante mostrando o microfone como se fosse um pênis. A cada duas ou três canções ele mudava de roupa sem sair do palco, provocando o público com um striptease até que ele ficou quase nu e mostrando o seu corpo musculoso que parece trinta anos mais jovem do que é.

Mas a maior surpresa foi a resposta do público às provocações de Ney: ele adorou! Todo mundo gritou e cantou e bateu palmas quando ele cantava e tirava a roupa, e quando ele saiu do palco para flertar com pessoas no público, todo mundo ficou maluco! Ney apaixonou homens e mulheres até que o espaço formal do teatro mudou e todo mundo saiu dos seus assentos e ficou de pé em frente ao palco, tentando tocá-lo e tirar fotos dele. Foi uma loucura!

O jeito dele é quase impossível de definir, mas acho que o forte magnetismo de Ney Matogrosso vem de sua habilidade de brincar com e manipular as definições de homem e mulher, heterossexual e homossexual, velho e jovem. A única coisa que eu sei com certeza é que ele conseguiu provocar e atrair a mim e a minha mãe hospedeira—e que foi um Dia das Mães inesquecível.
"Quando eu estava pra nascer
De vez em quando eu ouvia
Eu ouvia mãe dizer
Ai meu Deus como eu queria
Que essa cabra fosse homem
Cabra macho pra danar
Ah! Mamãe aqui estou eu
Mamãe aqui estou eu
Sou homem com H
como sou estribilho
Eu sou homem com
E com H sou muito homem
Se você quer duvidar
Olhe bem pelo meu nome
Já tô quase namorando
Namorando pra casar
Ah! Maria diz que eu sou
Maria diz que eu sou
Sou homem com H" --Ney Matogrosso

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Zumbi dos lojistas

Hoje em dia, com tanta preocupação em acompanhar as atualidades em nosso mundo, não deve ser muito surpreendente que percamos muitas conexões com o passado também por causa disso. Quando tudo se torna produto, a questão se resume em dinheiro e, como diz o bem conhecido ditado, “tempo é dinheiro”. O processo de tornar-se consumista da sociedade, então, se preocupa com o lançamento rápido das coisas, e não com as próprias propriedades delas, contanto que vendam. Os valores culturais e históricos dos produtos são utilizados ora muito, ora pouco, mas sempre com fins lucrativos. É por isso que eu estou olhando uma garrafa de álcool etílico de marca “Zumbi”.

Abaixo da palavra “Zumbi”, tem um desenho de um negro, com jóias que eu identifico facilmente como símbolos da cultura africana. Não sei quase nada sobre as culturas tradicionais africanas, mas esta imagem é bem clara para mim. A única outra referência à marca é um desenho de uma lança e uma caixa com o telefone do atendimento ao consumidor a empresa. Então quem é este Zumbi?

A resposta mais comum teria a ver com o líder legendário do quilombo de Palmares, mas a história é ainda mais profunda. Segundo o livro Made in Africa, de Luís da Câmara Cascudo, o Zumbi veio ao Brasil (e a toda parte das Américas) com os escravos angolanos. Embora começasse como nome de Deus (“N’Zambi”) entre alguns povos africanos, no outro lado do mar, referiria à “gente que morreu; alma do outro mundo” e o “espectro que vagava alta noite pelas ruas”. Este fato deve fazer nos lembrar outro tal imortal, o “zombie” dos filmes de terror e da imaginação popular americana. As semelhanças não são nenhuma coincidência – inclusive nos espíritos de vudu haitiano, os atores principais do filme americano “Dawn of the Dead”, o próprio Zumbi dos Palmares, o conjunto musical Nação Zumbi e minha garrafa de álcool têm raiz nos escravos que chegaram quase 500 anos atrás.

Então, devemos parar de usar este palavra assim, bem fora do contexto original? Claro que não. Já tem bastantes expressões com raízes infelizes que se usam no cotidiano: restaurantes com nome “quilombo” e piadas que minha mãe hospedeira faz sobre a “senzala” em que eu durmo. Podemos dizer que é certamente inapropriado? Também não. Apenas podemos procurar as fundações do nosso cotidiano para melhor entendermos as estruturas de poder que explicam as realidades da vida atual. Sei lá porquê se usa “Zumbi” para vender álcool, mas sei que não são os escravos angolanos que ganham por esse uso.

Referência bibliográfica:
Cascudo, Luís da Câmara. Made in Africa. São Paulo: Global, 2002.

A Torre De Babel

Ultimamente eu tenho pensado muito na Torre de Babel: por que será que há tanto debate sobre aquela torre? Enquanto eu pensava, a execução da torre por Pieter Bruegel apareceu na mente: uma torre altiva e ameaçadora. Como diz a história do Gênesis, era uma vez uma terra que tinha apenas uma língua entre os humanos. Uma viagem em direção ao Leste começou, e os humanos se congregaram para construir uma cidade magnífica, com uma torre que alcançaria o céu. Depois O Senhor desceu e observou que a humanidade esteve imitando Deus, portanto Ele os espalhou pela terra e confundiu todas as línguas deles. Essa cidade foi conhecida como Babilônia, muitas vezes considerada um símbolo das “falsas religiões.” A história infame da Torre aborda duas questões na minha mente: 1) Por que essa torre foi tão polêmica—o que representa? 2) Por que o debate sobre a criação em oposição à evolução das línguas entra em jogo em relação à Babel?
Quanto à primeira pergunta, a cidade de Babilônia é tão discutida porque foi conhecida por ter a cidade capaz de satisfazer todos os desejos da mente e do corpo do homem. As cidades são centros de prazer, cultura e comércio, onde a fome da alma pode ser satisfeita: o desejo da beleza, a arte e a música e todos os ingredientes da cultura. A torre, por outro lado, foi construída para satisfazer o espírito do homem. Todas as necessidades dos humanos foram satisfeitas pela cidade e pela torre. A filosofia principal por trás da construção foi que os homens tiveram que conquistar uma boa reputação. Isso revela a idéia do humanismo: “glória aos homens como supremacia, pois o homem é o mestro das coisas.” Em outras palavras, glória à humanidade.
Em relação à segunda questão, observando a Torre de Babel de uma perspectiva lingüística, eu fiquei interessada na ramificação de certas línguas indo-européias (aposta-se que a história de Babel aconteceu na Turquia). Por exemplo, por que algumas palavras não tão parecidas nas línguas que aparentemente são se parecem nada? O que faz com que alguns verbos sejam regulares e outros irregulares? Ambas as perguntas podem ser respondidas facilmente: a freqüência do uso. Algumas palavras se desenvolveram mais rapidamente dentro dos idiomas indo-europeus. Um bom exemplo seria a palavra “pássaro.” Em inglês: BIRD, em italiano: UCCELLO, em francês: OISEAU, em alemão: VOGEL. Nenhuma dessas palavras parece muito similar. Ao passo que a palavra “dois” tem muito mais semelhança entre os idiomas indo-europeus: em inglês: TWO, em francês: DEUX, em espanhol: DOS, em italiano: DUE. As palavras que são utilizadas com muita freqüência na vida cotidiana são bem conservadas (evolução lenta). As palavras usadas raramente evoluem a uma alta velocidade. Aliás, esse fenômeno funciona da mesma maneira em relação à genética! A freqüência do uso de uma palavra tem um efeito enorme na própria evolução dela. O fator singular de freqüência determina 50% da variabilidade. O mesmo é verdade em relação aos verbos: somente os que são muito usados continuam irregulares. De fato, não há dúvida de que os verbos “ser” e “ter” vão se manter irregulares na vida de qualquer língua.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Michigan, meu Michigan!

Assisti o filme Tiros em Columbine, (Bowling for Columbine) com meu namorado esse fim de semana. É um filme antigo que eu já tinha visto pelo menos duas vezes no cinema, quando estreou nos Estados Unidos no outono de 2002. Mesmo assim, o filme conseguiu me chocar e repugnar novamente, até mais do que nas primeiras vezes. Talvez tenha algo a ver com o fato de que eu tive que ficar explicando as coisas para meu namorado, dando desculpas por meu país problemático e tentando fazer com que ele não resolvesse nunca me visitar lá... Ele nunca vai me visitar.

Uma grande parte do filme ocorre em Michigan, meu querido estado emforma de luva (eu moro na base do polegar) circundada por cinco lagos enormes e bonitos, o maior grupo de lagos de água doce no planeta. Só que o filme não mostra nada disso. O que ele mostra de Michigan é um banco no interior que dá armas de presentes quando você abre uma conta, e a fazenda de soja onde foram produzidas as bombas que explodiram o Alfred P. Murrah Prédio Federal em Oklahoma City em 1995 (antes do ataque de 11 de Setembro, esse foi o ato de terrorismo mais mortal em solo americano). O filme também mostra o incidente absurdo de pessoas assassinadas por armas de fogo nos Estados Unidos, muitos dos exemplos sendo do meu caro e, infelizmente, perturbado, Michigan.

Como reagiu meu namorado? Pior do que ficar chocado, ele não ficou muito supreendido com o fato dos Estados Unidos serem um país terrorizado por seu próprio governo e sua amada mídia. O que realmente impressionou ele, porém, foi a grandeza incrível dos números de pessoas que têm armas em casa e a facilidade de obter-las -- até adolescentes conseguem comprar balas, mesmo que não tenham maioridade para ter a licença para possuir armas. O que também chocou ele, que assustadoramente já não impressiona muitos Americanos, foi a mera existência de violência agressiva nas escolas que ocorre, pelo menos, cada ano.

A grande questão é, por que? Tem várias teorias que o filme explora, mas provavelmente é uma mistura de nosso pavor de um inimigo desconhecido, sem-rosto que inspira tantos Americanos a comprar armas e gaurdar-las em casa, ao alcance de crianças e adolescentes.

“Mas nem todo mundo tem armas em casa!” protestei. E nem todo mundo também é racista, nem cego quanto as tentativas do governo e da mídia de controlar a população sob o receio de terrorismo, doenças, imigrantes, qualquer coisa realmente, mas algumas pessoas são. Eu gostaria de agradecer a essas pessoas para que eu não vá poder viver e envelhecer ao lado do meu amado lago, no mato michiganense. Acho que eu vou pro Canadá, e quem sabe, talvez meu namorado me visite lá...

quarta-feira, 14 de maio de 2008

"Cuidado com Homens Brasileiros"

Antes de sair dos Estados Unidos para o Brasil, minha mãe, que é carioca, me avisou "Cuidado com os homens brasileiros." Eu ri, e lhe disse que seguiria o conselho dela. Quando eu cheguei no Brasil, uma coisa interessante foi que cada vez que eu falava com uma mulher brasileira, a mensagem de minha mãe era repetida. Quando minha "mãe"-hospedeira de São Paulo me avisou a mesma coisa, e ri de novo. Mas ela tinha uma expressão grave. "Eu sei que parece ser engraçado, mas é muito sério. Os homens brasileiros são muito doces com suas palavras, e também muito persuasivos, mas você tem que ter cuidado com eles."

Duas semanas atrás eu estava voltando do interior da Bahia para Salvador com minha aula de Saúde Pública da UFBA. A conversa chegou ao assunto Estados Unidos e então todas as minhas colegas brasileiras me perguntaram com entusiasmo sobre a diferença entre homens brasileiros e homens norte-americanos. Eu tinha muito dizer! Comecei dizendo que lá, nos EUA, existe a idéia do que um homem precisa agir com sutileza quando gosta de uma mulher. Ele não vai dizer imediatamente que é "apaixonado" por uma mulher, como os homens brasileiros fazem aqui em Salvador. Ele vai prestar mais atenção á mulher de que gosta, fazer alguns favores para ela, e provavelmente tratá-la como uma pessoa especial.

Minhas colegas acharam esta idéia muito romântica! Imediatamente me disseram que os homens brasileiros não eram assim, e que eles eram "ruins." Segundo elas, os homens brasileiros gostam de ficar com muitas mulheres, mesmo que seja em relacionamentos "sérios." Elas falaram que uma mulher nunca deve acreditar nas coisas que homens brasileiros falam, porque dão os mesmos elogios a todas as mulheres. "Você é a mulher mais linda que eu já vi na minha vida," "Sou apaixonado por você," "Adoro e amo você"—todas são linhas vazias. Segunda minha turma, a maioria dos homens brasileiros são mentirosos, safados, e "ruins" em geral, e os únicos homens que são bons são os poucos que não são como a média. Elas indicaram alguns homens da aula e disseram que eles seriam namorados bons, porque não eram como todos os outros homens. Depois da conversa, eu notei que de novo, a mensagem "Cuidado com os homens brasileiros" foi repetida. Eu achei muito triste que minhas colegas podiam dizer sinceramente que em geral, o homem brasileiro típico é desonesto. Ainda fico surpreendida que este grupo de mulheres tenha sido tão unanime com sua conclusão sobre homens aqui.

Recentemente, eu estava tomando açaí com um rapaz brasileiro bonitinho, Diego, que conheci através meu amigo. Foi a terceira noite que ele me convidou sair e comer ou beber alguma coisa com ele. Não considerei ele namorado mas com certeza o tempo que passamos juntos tinha um clima romântico. Nós conversamos muito e aquela noite o tópico de namorados surgiu na discussão. Depois de falar um pouco, por alguma razão eu estava sentindo que havia uma coisa que ele não estava dizendo. Perguntei se ele tinha namorada.

"Tenho," ele falou, com total tranqüilidade . Fiquei bem surpreendida! "Por quanto tempo estão juntos?" eu perguntei. "Quatro anos,"foi a resposta dele. Quatro anos! eu pensei incredulamente. Eu disse a ele que era safado por estar comigo! Ele respondeu com a mesma tranqüilidade, "Sou. Mas, não é melhor ser um safado honesto do que um safado desonesto?" Depois de pensar e decidir que eu estava de acordo que é melhor ser safado honesto, ele continou falando.

"Na realidade, sou safado duas vezes,"ele falou, e olhou para mim com um sorriso brincalhono. "Duas vezes?" eu perguntei, sem saber o que significava. "Sim, duas vezes. Um, fico com muitas mulheres. Dois, fico com mulheres fora de meu relacionamento." Nós continuamos conversando e eu aprendi mais sobre seu relacionamento com sua namorada, e o fato de ele não ver problema em ficar com outras mulheres. Aquela noite foi uma noite inesquecível.

Alguns dias depois, pensei em Reinaldo, um rapaz bonitinho que conheci numa sorveteria na Barra. Nós nos falamos muito sempre que eu compro sorvete e descobri que ele tem a mesma idade que eu e que estudava também. Ele tinha me pedido meu número de celular e me convidado para sair durante o fim de semana. Eu decidi ligar para ele, para conversar. Quando eu liguei, uma mulher atendeu. Ela falou que não, Reinaldo não estava lá. Alguns segundos depois, aprendi que eu estava falando.....com a esposa dele. E...como minha noite com Diego, aquela tarde foi uma tarde para lembrar.

Parece que não ser digno de confiança é um padrão dos homens brasileiros. De meu ponto de vista, é claro que a falta de lealdade é uma manifestação do machismo que está na fundação da cultura brasileira. Se ser desonesto e ter relações extraconjugais é comúm aqui, é possível que o conceito de um relacionamento é mais flexível aqui do que nos paises onde as relaçoes extraconjugais são menos comúns. É possível que quando duas pessoas entram num relacionamento no Brasil, existe uma compreensão que a lealdade não será realizada. Como uma pessoa que valoriza relacionamentos e que acha que um relacionamento entre duas pessoas que se amam deve ser uma coisa sagrada, para mim é difícil entender como esta sociedade permite o desrespeito dos relacionamentos continua, sem consequüencia. Depois de observar o dinâmico entre homem e mulher aqui, eu posso dizer com certeza que que não gostaria de ser mulher aqui. Eu destestaria ficar sem saber se meu homem estivesse me dizendo a verdade. ~

terça-feira, 13 de maio de 2008

Tudo cinza

Para começar, eu quero que todo mundo saiba que esse blog não é nada concreto ou bem-definido--é mais algo em que tenho pensado porque ainda há muitas coisas do Brasil que eu não entendo. Eu escrevi esse blog pensando nas possíveis críticas que vou receber, e que eu quero receber. Queria criar um pouco de controvérsia com esse blog para ver as respostas, para ver se alguém sabe por que a corrupção,o atraso nas aulas e a traição acontecem com tanta freqüência aqui. Não quer dizer que essas coisas não acontecem nos EUA, nem queria falar duma posição de superioridade sobre essa questão, e por isso eu vou falar um pouco sobre meus próprios atos irresponsáveis. Como eu estou aqui em Salvador, eu sou uma participante ativa da vida brasileira, então eu sou tão culpada quanto as outras pessoas de agir sem respeito às regras aqui. Mas basta dessa introdução ao assunto, e vamos ao que interessa:

Recentemente, alguns escândalos aconteceram na esfera pública do Brasil, como a traição de Ronaldo com as prostitutas e a viagem européia da sogra de Cid Gomes. Mas também aconteceram alguns pequenos escândalos na minha vida pessoal na semana passada, como o dia em que faltei uma aula para beber uma cerveja com um amigo, ou quando eu esqueci de fazer uma tarefa para a aula de Português, ou quando ouvi falar dum rapaz (que tem uma namorada de seis anos) que fica com uma menina diferente cada semana.

E depois de todos esses escândalos, ninguém vai para a cadeia, ninguém fracassa na aula, e ninguém perde a namorada--porque não têm um sistema rígido de conseqüências aqui no Brasil. Com certeza existem conseqüências em alguns casos: os pais de Isabella provavelmente vão para a prisão, o personagem de Guilherme na novela "Beleza Pura" perdeu o emprego depois do acidente de helicóptero, e eu peguei uma infecção no dedo com uma manicure ruim. Mas tem uma séria falta de rigidez na aplicação das regras e da lei nesse país. Não existe um sistema de castigos que seja aplicado com igualdade e rigidez a todos os que fazem coisas erradas. Então, às vezes parece que todo mundo tem a liberdade de trair os namorados e chegar atrasado às aulas e roubar um pouco de dinheiro do povo ou do governo. A corrupção é tão comum que ainda mesmo os funcionários dos postos de saúde têm que roubar instrumentos médicos e dinheiro para que o posto fique funcionando, e muitos dos brasileiros jovens que eu conheço podem ser chamados safados pela maneira em que eles brincam com as namoradas.

O jogo (falando metaforicamente) do governo, da aula, e do namoro não tem regras claras-- tudo parece cinza. Então, cadê o preto e o branco de certo e errado nesse jogo? Como fala o conhecido soterpolitano Caetano Veloso no poema “Americanos,”
Para os americanos branco é branco, preto é preto...
Enquanto aqui embaixo a indefinição é o regime
E dançamos com uma graça cujo segredo
Nem eu mesmo sei
Entre a delícia e a desgraça
Entre o monstruoso e o sublime...
Americanos sentem que algo se perdeu
Algo se quebrou, está se quebrando.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

O Diário Metropolitano


Uma amiga me avisou de uma parte do site do New York Times na internet, o “Diário Metropolitano”: uma página de histórias únicas da cidade de Nova Iorque, escrito pelos que melhor conhecem a cidade, os cidadãos. Eu gostaria de criar algo parecido aqui no blog, então hoje seria a primeira parte deste trabalho...

Um dia qualquer, eu entrei no ônibus de mau humor (tinha despertado assim), indo para aula. Sentei numa cadeira no centro, não tinha ao lado da janela como prefiro, com ainda pior humor. Eu estava preparada a passar um daqueles dias que eu digo que “não vai funcionar”. Você sabe, um dia que não importa o que você tenta fazer, não vai conseguir o que queria.

No mesmo ponto de ônibus, onde eu subi, um homem de idade, com mais rugas no rosto do que tinha a minha avó, subiu na parte dianteira do mesmo ônibus. Eu estava determinada a não ver pessoas desafortunadas este dia, que no Brasil é o único modo de se sentir merecidamente num mau humor. O homem sentou-se calmamente, e começou a bater sua bengala ritmicamente no chão. De repente, uma voz cantada, forte e sábia, saiu dele, batendo o mesmo ritmo da bengala. Ele levantou da cadeira no ônibus já em movimento, e deixando a bengala, continuou com o ritmo usando moedas na mão. Ao final da canção, um homem quase da mesma idade, agradeceu-o por lhe dar um pouco de luz naquele dia chuvoso.

Senti isso também, mas fiquei quieta na cadeira. Até hoje, ele não me conhece, mas eu vejo ele no ônibus, e fico feliz.

Por favor, se comentar, deixe uma história da cidade de Salvador...

sábado, 10 de maio de 2008

A vida no raso

“Estou roxo de raiva”, falou o caranguejo. “Eu não vou voltar lá, de jeito nenhum!"

“Quem agüenta desse povo? Eu concordo com você. A partir de agora, vamos ficar mais perto do mar,” respondeu a mulher do caranguejo.

“Pois é, mas vamos desistir tão fácil? Eu estava falando com Carlos ontem. Ele disse que aqueles peixes amarelos que moram perto de Praia do Forte estão perdendo toda a integridade deles. O povo que fica olhando eles vai aumentando todo dia, sem respeitando nada. Um homem vestido de sunga vermelha com a pele da mesma cor assistiu a filha do Ministério Publico de Saúde dos Peixes Amarelos tomar banho ontem, e um monte de italianos assistiu Ângela sendo fertilizada. Imagine!”

“Eu sei. Mas as coisas aqui são péssimas também, e vamos melhorar a situação como? Olhe aquela mulher aí, com os chinelos azuis. Ela estava aqui a semana passada com uma criança horrível. Horrível, viu? Essa criança achou nosso filhinho, nosso amorzinho que é só um caranguejo miudinho, e jogou ele no mar. Que coisa! Se ele fosse minha filha, eu teria dado uma surra nela. Mas ela só sorriu e aplaudiu.

“Esse povo é assim, não é? Os caranguejos pertencem a esse lugar, já temos milhões de anos aqui. Pois, de repente, esses seres humanos aparecem de mala e cuia e esperam ser donos da praia. Mas olhe, nem sabem que fazer com os corpos deles. Eles vestem essas sungas que deveriam cobrir ao menos a bunda, mas nem cobrem! A maioria fica sentada nas cadeiras, olhando para a praia como se esperasse uma mensagem do Deus do Mar. Tem gente que tenta nadar na água, mas que coisa! Eles só caem no chão engolindo água e esquecendo que eles não têm nadadeiras. Se eu falasse o português deles, ...”

“Oi Senhor Caranguejo, você está tão gostoso hoje,”gritou um peixinho boiando na água.

“Vai ver se eu tou lá na onda, puxa!” Ele virou-se para sua mulher. “Ninguém merece essa comunidade de peixinhos. Faz algum tempo que eles dão um trabalho dentro do ministério da vida submarina baiana. Graças a deus que eu fico na praia durante a maior parte da noite”.

“De qualquer jeito,” começou a sua mulher, “eu estou pensando em mudar de casa. Tenho família no Espírito Santo e eles me avisaram que o povo lá é muito mais tranqüilo. E esse novo jogo com as raquetes e a bola, nove caranguejos já morreram por causa dele só nesse bairro.”

“Amor, acho que eu quase morri também, mas você me dá sorte na vida.”

“Espere aí, Caetano. Você está vendo aquela mulher dividindo aquele picolé com o cachorro? Ele morde, e depois o cachorro morde. Seria como se você estivesse dividindo um peixinho com um golfinho!”

“Amor, você está ouvindo essa música? Que coisa linda!”

Os caranguejos deixaram de falar e começaram a andar na direção do som, bocas abertas. De repente, alguém gritou:

“Os caranguejos gostam de Ivete Sangalo também, é? Venham cá para escutar, meus filhos.”

E assim acabou a conversa dos dois caranguejos, naquele momento e para sempre.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

LÍNGUAS METIDAS



A língua é um modo de comunicar pensamentos, idéias e conceitos. Por evidência empírica, sabemos que a língua não é uma parte do processo do pensamento, é somente um resultado. Ao sugerir que a língua desempenha um papel na formação da ideologia dum povo, uma pessoa demonstra uma inclinação racial que falantes duma certa língua são mais inteligentes do que uns falantes duma outra língua. A língua opera independentemente dos pensamentos que ocorrem na mente. Esse fato explica por que as teorias marxistas podem ser entendidas da mesma forma na Rússia, na China e em Cuba, por pessoas que falam russo, chinês e espanhol.
Simplesmente, não há uma língua que seja superior às outras. Esse fato parece bastante simples e compreensível, mas eu encontro tantas pessoas que ou discutem o fato abertamente ou discordam dele sem dar-se conta. Até professores me comentaram que achavam uma língua “melhor” do que outra, o qual me parece um exemplo vivo da ignorância. Por exemplo, eu nem acreditei que um professor aqui (aparentemente com conhecimento na área de lingüística) disse que o português é a língua “mais rica” que existe. Esse professor se baseou no fato de que o português tem uns 14.000 verbos, mas isso não quer dizer que é simplesmente a língua “mais rica” de jeito nenhum. Uma língua pode ser mais rica em alguns aspectos, mas não como totalidade. Por exemplo, o português é uma língua extremamente rica na expressão dos tempos verbais. E o inglês tem mais adjetivos do que qualquer outra língua do mundo. Mas esses fatos só representam alguns aspectos da língua.
Pode ser difícil de admitir que a sua língua não seja capaz de se expressar melhor do que qualquer outra, porque VOCÊ sabe se expressar melhor nessa língua melhor do que qualquer outra. Você não poderia imaginar tantas expressões, matrizes sutis ou sagacidades num idioma que não seja a sua língua materna. Inclusive muitas pessoas acreditam que “se você insulta a minha língua, o insulto é para mim.”
Mesmo assim, uma língua só abrange as necessidades dos falantes, e enquanto o número de falantes aumenta, ela vai inventando novos termos ou tomando emprestado de outras línguas.
Também, qualquer lingüista de hoje pode explicar que não existem línguas “primitivas,” como não existem pessoas primitivas.
Eu já ouvi vários colegas e amigos meus falar que o espanhol, o inglês, o português, o francês, o alemão e o italiano são a língua mais “inteligente”, “desenvolvida”, “bela”, ou “complexa.” Pura besteira. Eles podem ter as suas opiniões, mas lingüísticamente, isso é bobagem.
Por exemplo, existem fenômenos lingüísticos muito mais complexos do que os nas línguas indo-européias. Numa língua nativa do Sudeste Asiático (Boro), existe um verbo só para descrever quando uma pessoa se apaixona pela última vez (“onsra”). Também há um verbo para descrever o ato de procurar por algo abaixo d’água por pisar (“gagrom”). A tribo Iroquois nos Estados Unidos tem dentro de todos os verbos, a habilidade de expressar o sujeito, o objeto, o tempo, a quantidade de vezes, tudo isso num verbo só. Nas línguas européias, não somos capazes de expressar o conceito de “nós” muito precisamente. Pode significar você e eu, vocês e eu, ele e eu, ela e eu, eles e eu, etc. Mas, em muitas línguas nativas da Austrália, há uma distinção entre “nós” exclusivo e “nós” inclusivo. Não podemos permitir que essas complexidades ricas sejam desapercebidas.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

O "baixo QI" deste baiano

Há alguns dias que um professor da UFBA, o Dr. Antonio Natalino Manta Dantas, chegou às manchetes dos jornais por zombar do instrumento musical baiano bem conhecido, o berimbau. O professor, branco e velho, disse:

"O berimbau é o tipo de instrumento para o indivíduo que tem poucos neurônios. Ele tem uma corda só e não precisa de muitas combinações musicais”.

Esse comentário vergonhoso, entre outros, foi dito durante uma entrevista com o professor sobre os resultados ruins dos estudantes baianos em duas provas, o Enade e o IDD, que foram administradas aos estudantes universitários de âmbito nacional para averiguar o desempenho deles. Ele também achou prudente rejeitar a música do Olodum como “barulho” e sugeriu que a imigração européia e asiática seriam muito melhores para o país do que a tal imigração que fez da Bahia o que é hoje em dia. O reitor da UFBA condenou as declarações como “racistas e ignorantes” imediatamente, assim como todo repórter na TV, e nos dias seguintes nos programas de notícias houve muitas visitas às academias de capoeira para afirmar a valorização cultural do querido berimbau.

Há muito errado no que o professor falou, mas posso falar melhor sobre o conteúdo musical. A lógica do professor parece uma comparação entre duas coisas, usando um padrão que injustamente favoreça um em relação ao outro. Neste caso, o senhor sugere que, primeiro, a música do berimbau seja simples demais e, segundo, que a música “simples” vala menos do que a música mais complexa. Este ponto de vista convenientemente supõe que existam algumas regras para reger toda a música no mundo, que sejam o padrão de toda música. O “bom senso” do professor, que sugere que o que importa na música seja a complexidade dela, revela os seus próprios preconceitos que, tomados no contexto dos comentários sobre a imigração, favorecem a cultura européia em relação à própria cultura brasileira.

A música clássica européia se distingue da música “primitiva”, é claro, tanto pela complexidade dela como pelo acúmulo de regras que pretendem reger toda música. Como toda regra que exista por bastante tempo, estas se tornaram “leis”, como se o percurso de tempo lhes desse ainda mais poder. A realidade é que tal que parece “barulho” para um pode soar como música para um outro, e toda música tem suas próprias “regras”, que definem o “estético”. A música clássica é apenas uma voz entre muitas, com regras que não são universais nem absolutas. Por que o berimbau tem uma corda só? Sei lá. Será que um violino é, com quatro cordas, mais difícil de aprender tocar? E um violão, outro instrumento essencial à música baiana, ainda mais difícil tocar com seis cordas?

O que diria nosso professor?

“Professor atribui baixa nota do Enade ao "QI dos baianos"
http://gloria.reis.blog.uol.com.br/

domingo, 4 de maio de 2008

Valéria, o turista perpétuo

Depois de 4 meses morando no Brasil, ainda sou considerada um turista
pelos brasileiros. E, na verdade, eles têm razão – em muitos
aspectos, eu sou turista no país deles, sim. Estou aqui para aprender
da sociedade deles, mas sendo que eu já construí uma vida cotidiana
própria aqui em Salvador e eu integrei bastante - por falar português bem,
morar com uma família brasileira, ter um namorado brasileiro e fazer
faculdade com outros estudantes brasileiros - não sinto a distância
típica entre culturas que define a experiência turística. Fico chateada quando peço ajuda, num bom português, e as pessoas tentam me responder em inglês mesmo se quase não falam minha língua. É difícil sempre ser respondida como um estrangeiro, como alguém que não
pertence aqui no Brasil. Por exemplo, o outro dia eu estava na Barra, esperando um
ônibus para eu chegar na Aliança Francesa que fica na Ladeira da
Barra. Quando o 'Praça da Sé 1' passou, não tinha certeza se ele
passava pela ladeira, então eu perguntei ao motorista, com o meu
melhor sotaque baiano e sem erros gramaticais, "Sobe a ladeira?" Aí,
ele me olhou, sorriu e falou "Pelourinho? Pelourinho???" como se essa
fosse a única destinação que eu pudesse querer. Ahhh!!
A pesar de quanto eu sou apaixonada por Salvador, muitas vezes eu penso em como
seria minha experiência no Brasil se eu tivesse escolhido estudar num
lugar menos turístico. Sonho com uma vida na qual não teria que
explicar, pela centésima vez, o que eu estou fazendo no Brasil aos
homens no Porto da Barra que procuram falar com qualquer gringa. Outro dia, quando estava passeando com meu namorado no Pelourinho, um
homem passou por nós e chamou ele de 'pegador'. Eu sei que o Pelourinho é o
lugar mais turístico de Salvador e portanto o local predileto de
pegadores de verdade, então não me surpreendeu que um cara falasse isso
para ele. Mas, falei pro meu namorado "Estou bem bronzeada e tô
usando roupas brasileiras hoje. Tomei banho em água brasileira
hoje...então por que é que quando a gente passeia no Pelourinho,
pessoas ainda lhe chama de 'pegador de gringa'?" Ele respondeu que no
Pelourinho, e em locais turísticas como na Barra, sempre vou ser gringa.